A repetição de ataques às escolas, em uma crescente há pelo menos dois anos no Brasil, não é acaso. Para estudiosos do tema, há um “rito de crime”, observado nos atentados de Barreiras (BA), Sobral (CE), Aracruz (ES), São Paulo (SP) e Blumenau (SC). Apesar dos contextos serem diferentes, as motivações são as mesmas: o extremismo.
Em comum, foram identificados fatores como a glorificação do atacante por uma comunidade mergulhada em sua visão deformada de mundo. A cada novo ataque, o gatilho é acionado para mais datas serem celebradas. É unânime o diagnóstico de que o enfrentamento eficaz dessas ações está na prevenção para evitar que jovens sejam contaminados pelo discurso de ódio.
No ambiente digital aberto, as comunidades de ódio têm servido de espaço para a disseminação de ideias extremistas. “A radiografia desses grupos é masculinista, de ódio às mulheres, é fenômeno de ódio às pessoas negras e LGBTQIA+. Soma a isso três fatores que desembocam em ambientes de gamers, paintballs, clubes de tiro, que cultuam o pensamento neonazista e fascista. (Os jovens) viveram algum tipo de frustração e humilhação, como é comum na fase da adolescência. De forma complementar temos um fato que é a glorificação dos atacantes”, descreve Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação na Universidade de São Paulo (USP).
Ele participou do grupo de trabalho da Educação no governo de transição e contribuiu com o relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental, que define duas linhas principais de combate ao problema: coibir o extremismo de direita e fazer com que os jovens deixem de ser o instrumento dessa ideologia.
“(Os jovens) são recrutados para se tornarem agentes de violência contra a sociedade por meio das escolas. As escolas são espaços deles de sociabilidade. Mas, às vezes, alguns encontram essas comunidades de forma autônoma, até porque, de 2019 para cá, isso passou a ocorrer nas redes comuns. Porém, o recrutamento para essas comunidades é feito por adultos. A gente precisa ter a capacidade de prevenir, evitar. E o outro desafio é resgatar os jovens que estão nessas comunidades de ódio. É uma situação calamitosa”, ressalta o professor.
Roseli Lins, professora no curso de psicologia e coordenadora do Programa de Apoio e Orientação (Proato) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, chama a atenção para como os estudantes envolvidos nesses massacres estão se relacionando com o ambiente escolar. “Imagino que é uma relação ruim que ele estabelece com esse lugar, que é um lugar de formação, de relacionamentos, mas que, para ele, foi um lugar de muito bullying, muita angústia, muita humilhação”, explica.
A especialista concorda com a tese de que a escola é um laboratório de relacionamento, por isso, é fundamental a avaliação constante e a interferência para abrir caminhos de reflexão sobre situações na convivência entre professor-estudante e dos estudantes entre si.
“Quando há alguma situação que implique agressividade, violência, bullying, é preciso que a escola trate disso, discuta com as crianças desde muito pequenas até adolescentes e jovens. O conteúdo é importantíssimo, é na escola que isso acontece, mas não dá pra deixar de lado outras questões que, muitas vezes, acabam gerando situações tão graves de violência”, pondera.
Ainda sobre o que é ensinado no ambiente escolar, Catarina de Almeida, integrante da Rede da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação e Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação, ressalta que a redução da grade curricular de disciplinas de ciências humanas, que fomentam o debate de temas voltados ao desenvolvimento humano, é preocupante.
*Com Agenda do Poder