Do total, cerca de R$ 9 bilhões já foram compensados por meio de liminares concedidas pelo STF.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou nesta sexta-feira (10) um acordo de R$ 26,9 bilhões entre União e estados para reposição das perdas impostas pelo corte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis.
“A equipe do Tesouro [Nacional] e as 27 equipes dos estados chegaram a um número. Quando é um acordo, nunca é satisfatório para ninguém. É uma conta que você faz com base em parâmetros e é técnico”, disse o ministro, que ainda levará a proposta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aos demais Poderes para ser formalizada.
Segundo Haddad, o acordo não afeta as projeções do governo “nem para esse ano e nem para o futuro, com relação àquilo que foi anunciado em janeiro”. No início do ano, a equipe econômica divulgou um pacote fiscal para reduzir o rombo de mais de R$ 230 bilhões e melhorar as contas públicas.
Também participaram do anúncio Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, e Rafael Fonteles (PT), governador do Piauí e presidente do Fórum Nacional de Governadores.
Do total acordado, segundo o Ministério da Fazenda, cerca de R$ 9 bilhões já foram compensados por meio de liminares concedidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a estados devedores da União no âmbito do grupo de trabalho criado pela Corte. O restante será abatido das parcelas da dívida com a União ou pago pela União (para estados com pequenas dívidas ou mesmo sem dívida) até 2026.
De acordo com o secretário do Tesouro, o total de compensação ficará em torno de R$ 4 bilhões em 2023. “O impacto vai estar diluído ao longo desse ano e mais três, virá via abatimento de dívida e, em alguns casos, ocorrerá aportes”, disse Ceron.
“A parte não compensada está sendo diluída no tempo para que não tenha impacto nas contas da União nesse ano”, reforçou Haddad.
Fonteles afirmou que “alguns estados compensaram mais que os valores acordados [com a mudança de ICMS] e alguns estados serão recompensados ou via redução de dívidas ou aportes”. Segundo ele, o acordo será levado pelos governadores aos outros Poderes para ser homologado pelo STF.
Em comunicado divulgado durante o pronunciamento de Haddad, a pasta econômica detalhou que estados que têm a receber até R$ 150 milhões vão obter metade do valor neste ano e os outros 50% em 2024 com recursos do Tesouro.
No caso daqueles que têm a receber entre R$ 150 e R$ 500 milhões, o ressarcimento será de um terço do total em 2023 e dois terços no próximo ano. Já os estados que têm acima de R$ 500 milhões a recuperar, o montante será dividido em 25% neste ano, 50% em 2024 e 25% em 2025.
As regras também valem para os estados em Regime de Recuperação Fiscal –Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul–, mas o adicional de R$ 900 milhões será compensado na dívida em 2026.
Segundo Haddad, uma “boa parte” do valor de compensação já está resolvida. “Alguns estados conseguiram uma liminar para não pagar as parcelas referentes às dívidas com a União. Tem estado que deixou de pagar mais do que estava previsto, caso de São Paulo e do Piauí. Isso vai precisar ser dado um tratamento específico”, disse.
O pagamento de uma reparação pela União aos estados se transformou em um dos principais impasses do início do governo Lula. Em dezembro, o STF, que atuou na intermediação do conflito após ser acionado por governadores, deu um prazo de 120 dias para União e estados chegarem a um acordo.
Até chegar ao número final, as tratativas exigiram intensa negociação e flexibilidade de ambos os lados. Em reunião ocorrida em janeiro, o governo federal argumentava que o “valor justo” da compensação se situaria entre R$ 13 bilhões e R$ 16 bilhões, mas chegou a propor R$ 22,5 bilhões. Os estados, por sua vez, falavam em uma reposição de até R$ 45 bilhões e reduziram o pedido a R$ 37 bilhões.
Para o governador do Piauí, os estados tinham de resolver o impasse em torno da questão dos combustíveis antes de tratar da reforma tributária –pauta prioritária para o governo federal neste ano.
“O Brasil está muito atrasado na questão tributária. E a reforma a gente acredita muito que tem condições de ser votada e aprovada neste ano no Congresso Nacional. Mas não poderíamos partir para essa discussão sem resolver essa pendência de 2022, bem verdade que foi gerada na gestão passada e a gente tinha que se debruçar sobre a matéria”, disse.
As medidas relativas à redução do ICMS foram aprovadas em 2022 sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), em um momento de alta dos combustíveis, inflação elevada e desgaste político enquanto o ex-presidente buscava reeleição.
Em março do ano passado, Bolsonaro sancionou uma lei que uniformizou a alíquota do ICMS sobre gasolina, diesel e etanol. A cobrança do imposto estadual passou a ser de um valor fixo por litro (“ad rem”), em vez de um percentual. A medida teve impacto bilionário no caixa dos estados.
Dois meses mais tarde, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), articulou a aprovação de uma proposta que limitou em 17% o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, transporte e telecomunicações. Esses bens passaram a ser considerados essenciais.
O projeto foi alvo de intensa disputa entre estados, que alertaram para a perda de receitas, e o governo federal, que usou o momento de alta na arrecadação para alegar que os cofres dos estados estavam cheios e havia espaço para o corte de tributos.
Apesar da resistência dos governadores, que apontavam problemas para fechar as contas com a queda de arrecadação, a proposta foi aprovada com relativa folga nas duas Casas do Congresso Nacional, sendo sancionada em junho pelo então presidente.
O texto também previu compensações a estados que tivessem perdas superiores a 5% na arrecadação do imposto, mas a redação da norma deixou margem para diferentes interpretações. A forma de cálculo dessa reparação era alvo das divergências.
*Com Folha