Em sua coluna na Folha, Demétrio Magnoli se refere a um trecho da minha coluna de 9 de fevereiro no jornal. Escreve ele: “As agências reguladoras e o BC independente são tentativas de deep state no Brasil”, escreveu Reinaldo Azevedo, citando Walfrido Warde.
A crítica aos bancos centrais autônomos circula tanto no discurso da esquerda latino-americana quanto no da direita nacionalista europeia. Mesmo assim, é um argumento -e merece, portanto, exame de mérito.” Vou recuperar aqui o que eu escrevi: “Como lembra o advogado Walfrido Warde, as agências reguladoras e o BC independente são tentativas de ‘deep state’ no país. As decisões do BC, no entanto, ele pondera, não são infensas
Vou recuperar aqui o que eu escrevi: “Como lembra o advogado Walfrido Warde, as agências reguladoras e o BC independente são tentativas de ‘deep state’ no país. As decisões do BC, no entanto, ele pondera, não são infensas às pressões e fazem perdedores e ganhadores. Com juros altos, tomadores de crédito, por exemplo, perdem. Quem ganha?”
Escrever tendo inimigos a combater, especialmente se forem a “esquerda populista” e a “direita nacionalista” virou um facilitário. Porque isso confere ao articulista em questão a confortável posição de “centro”, de “independência”, de “não alinhado”. Comprometidos sempre serão os outros. Para quem leu com atenção o meu texto de referência, eu não escrevi, e isto parece bastante claro, que o BC é um exemplo de “deep state” e que, por isso mesmo, eu me oponho. A citação da fala de Walfrido servia apenas para introduzir uma afirmação absurda feita por Roberto Campos Neto num seminário em Miami, que transcrevo de novo:
“A principal razão, no caso da autonomia do BC, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses. Quanto mais independente você é, mais efetivo você é, e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária”
E, então, emendei, contestando que estejamos diante de um exemplo de “deep state”: “Sedutor para alguns. É uma tese que funda não o ‘deep state’, mas o ‘metaphysical state’ e o eleva a uma categoria filosófica: o ‘platonismo monetário’.”
O ATAQUE
Faz tempo que Demétrio Magnoli anda a buscar adversários e inimigos, inclusive na Folha. Para tanto, usa e abusa do recurso de acusar os seus alvos de ter um pensamento comprometido. Ele, obviamente, é independente. O recurso é pueril, mas serve para satisfazer a vaidade sem lastro do polemista.
Escreve: “Usá-la [a expressão “deep state”], porém, para desacreditar BCs autônomos nada ensina sobre os bancos centrais – mas esclarece muito sobre o sujeito do discurso. A esquerda populista fala em deep state para acusar os BCs de servirem ao ganancioso mercado. A direita populista fala nisso para acusar os BCs de servirem aos demoníacos “globalistas”. Uns e outros recorrem a teorias conspiratórias para exibir a democracia como farsa: a roupagem sob a qual opera o deep state. Democracia é só ditadura disfarçada -eis a mensagem de fundo. O presidente (ou seja, o Povo) contra o Deep State (ou seja, a Elite). Lula tem extensa companhia quando adota essa linha de propaganda.”
Suponho que eu e Walfrido, nessa sua categorização, façamos parte da “esquerda populista ” — dada a impossibilidade, quero crer, de ser “direita populista’. Tem lá a sua graça.
Jamais me ocorreu contestar Magnoli. Tenho mais o que fazer. Se e quando o leio, é por dever profissional. Ele não é um “autor”, mas um tipo. No texto de onde ele retirou a citação, para distorcê-la de forma burra e intelectualmente malandra, escrevo:
“Para além das dissensões e crenças, é incompatível com uma sociedade democrática partir do princípio de que o presidente está obrigado a silenciar sobre juros, o que alçaria a autoridade monetária à categoria de Estado acima do Estado. A ideia parece boa e, dizem, nos protege de diabólicos populistas, mas é falsa. A propósito: ‘populista’ se tornou o insulto predileto dos sectários de centro. É, na sua boca e na sua pena, o correspondente ao ‘comunista’ dos bolsonaristas e ao ‘fascista’ da esquerda ligeira. Uma dica de leitura: “Do que Falamos Quando Falamos de Populismo”, de Thomas Zicman de Barros e Miguel Lago (Companhia das Letras).”
Magnoli é o exemplo acabado do “sectário de centro” — coisa que, na verdade, ele pensa ser. Não é. Passei a lê-lo com tédio profissional há muito tempo. Por quê? Porque sempre sei onde termina a sua ladainha “independente”. Qualquer que seja o tema, ele culpa os “suspeitos de sempre”, para lembrar frase de Louis, o policial corrupto do filme “Casablanca”. E os suspeitos de sempre, na sua pena, são os progressistas, onde quer que estejam — e isso inclui a Folha.
FINALMENTE
Atenho-me, finalmente, à parte mais tonta e primitiva de seu artigo — e nada tem a ver comigo. Vamos ver. Eu não acho, tampouco Walfrido Warde, que o BC sirva ao “ganancioso mercado”. Que burrice isso! Nem em prego esse vocabulário. Três grandes dos tais mercados, bancos, a Febraban e 50 pesos-pesados reunidos no Grupo Esfera se manifestaram em cena aberta contra a Selic de 13,75%.
Magnoli, o sectário de centro, precisa apelar à polarização que não existe mais para que ele próprio possa fazer sentido. Ah, Demétrio, esse trem já passou. Você já passou. A sua oposição é obsoleta. Não funciona mais mandar “prender os suspeitos de sempre”.
Ademais, oponho-me firmemente ao que tem escrito, mas o julgava ao menos um bom leitor. Vejo que não. Para combater inimigos imaginários, também lê o que não está escrito.
“Por que responde aqui e não na Folha, onde ele o atacou, Reinaldo?” Porque, neste espaço, escrevo quantas vezes me der na telha. Na Folha, uma vez por semana, a exemplo de Magnoli. Ele pode gastar seu espaço comigo. Não posso gastar o meu com ele.
Magnoli, Bolsonaro está voltando daqui a pouco. Este “populista de esquerda” lhe recomenda: vá procurar sua turma. Seu “bolsonarismo harmonizado” não engana mais ninguém.
*Reinaldo Azevedo/Uol