A Folha, sua economista-lacração e a escravidão. Por Maringoni

A Folha, sua economista-lacração e a escravidão. Por Maringoni

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Os artigos da laureada economista ultraliberal estadunidense Deirdre Nansen McCloskey sempre exalam arrogância e prepotência em doses industriais. Mas sua coluna da Folha de S. Paulo desta quarta (15) é regada por outro atributo surpreendente para uma professora de História Econômica, a ignorância. O título é “Quem lucrou com a escravidão?”

Para responder à questão inicial, ela trafega em áreas que conhece, mas não domina:

“Marx e Engels haviam dito que o lucro da pirataria explicava o enriquecimento da Europa. Eles e seus numerosos seguidores acrescentaram a exploração, por exemplo, dos trabalhadores britânicos. Marxistas posteriores disseram que o lucro obtido com o imperialismo era a semente. Então eles disseram que era o lucro do tráfico de escravos. Agora os novos historiadores estão dizendo que foi a própria escravização”.

ALHOS E BUGALHOS – Sinceramente não consigo localizar onde Marx e Engels explicam “o lucro da pirataria” como mola mestra do enriquecimento europeu. A partir daí, McCloskey mistura alhos com bugalhos, e logo parte para a lacração:

“Nada disso faz sentido. O erro histórico é esquecer que a pirataria, a contratação de mão de obra, o imperialismo e, sobretudo, a escravidão aconteceram em todos os tempos e em todos os lugares, repetidamente, há milênios”.

Calma, calma! Aqui temos o pecado mortal para uma historiadora, não saber o que é História e historicidade. Muitas coisas “aconteceram em todos os tempos”, mas a cada tempo cada coisa tem um significado, uma origem e um nexo social distinto. A mudança de relações de produção costuma alterar a maior parte das relações sociais preexistentes. Sua forma pode ser semelhante, mas sua essência nem sempre. Vou recorrer aqui a um livro que certamente McCloskey não leu, “O escravismo colonial” (1978), clássico de Jacob Gorender. Escreve ele:

“O escravismo colonial emergiu como um modo de produção de características novas, antes desconhecidas na história humana. Nem ele constituiu repetição ou retorno do escravismo antigo, colocando-se em sequência ‘regular ao comunismo primitivo, nem resultou da conjugação sintética entre as tendências inerentes à formação social portuguesa do século XVI e às tribos indígenas. (…) O escravismo colonial nasce e se desenvolve com o mercado como sua atmosfera vital”.

A diferença, segundo Gorender, é que o escravo da Era Moderna, antes de ser força de trabalho, é mercadoria, que se compra, vende, aluga ou herda. E isso acontece não pelas relações pré-capitalistas muitas vezes encontradas no interior das colônias americanas ou da África, mas pela inserção dessas regiões no mercado global, situação distinta da escravidão da Antiguidade.

Assim, prossegue Gorender:

“Pela sua escala, o escravismo colonial é comparado ao mediterrâneo antigo, sobretudo o romano. Há em ambos, de fato, o traço comum do trabalho escravo como tipo dominante de exploração da mão-de-obra. (…) Mas a estrutura e a dinâmica forma distintas em um e outro, tanto que a sociedade imperial romana se defrontou com o impasse representado pela impossibilidade de evolução do escravismo patriarcal arcaico ao escravismo mercantil moderno”.

Robin Blackburn, por sua vez, em “A queda do escravismo colonial – 1776-1848 (1988), escreve, citando Gorender:

“O tipo de escravidão que predominava nas Américas no século XVIII não deveria ser considerado uma relíquia da Antiguidade ou do mundo medieval. Os sistemas coloniais eram de construção muito recente e de caráter altamente comercial. (…) Em contraste, as formas anteriores de escravidão eram menos extensas, menos comerciais e mais heterogêneas”.

ORIGINAL IDEIA DE LUCRO – McCloskey não está preocupada com emaranhados históricos. Logo ela pula para outro assunto, para explicar sua original ideia de lucro:

“Mas os fazendeiros brasileiros ou americanos competiam, fazendo subir o preço dos escravos. Nenhum lucro aí. Não para os comerciantes que competiam nos embarques da África. O lucro econômico foi para os senhores da guerra africanos. Os perdedores na guerra sempre foram escravizados. Os demandantes também são culpados, é claro, ao encorajar os senhores da guerra a fazê-lo. Mas os senhores da guerra, não os europeus, obtiveram o lucro econômico”.

E fulmina:

“Voltando ao erro histórico. Se o lucro explica uma maior prosperidade, a África, não a Europa ou suas ramificações, é que deveria ter sido a condutora da Prosperidade. Não foi”.

O parágrafo é vandalismo puro. Não havia encadeamento de ações comerciais, não havia um sistema, um modo de produção único, com uma divisão internacional do trabalho e tudo mais. Em sua lógica, a África é que deveria ser rica e não o Velho Mundo. Mais um parágrafo e ela concluiria que os responsáveis maiores por tudo eram os próprios escravos.

Bacana a professora. Mais bacana a Folha por oferecer lixo não reciclável aos leitores.

*DCM

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