Fotomontagem com “tiro em Lula”: cinismo e ode à barbárie

Fotomontagem com “tiro em Lula”: cinismo e ode à barbárie

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Muito tem se falado a respeito da controvertida fotomontagem realizada pela fotógrafa Gabriela Biló em que Lula é mostrado quase como um alvo atrás de uma janela de vidro crivada por algo similar a um tiro de arma de fogo. A fotomontagem foi explorada na capa do jornal Folha de S. Paulo sob o título: “No foco de Lula, presença militar no Planalto é recorde”.

Em primeiro lugar, o Grupo Folha é uma organização que notoriamente não se preocupa apenas com o jornalismo mas com a disputa pelo poder de um segmento da sociedade sobre outro, ou seja, um veículo de guerra ideológica. Esta acusação que recai sobre o Grupo Folha é corroborada pela História do Brasil haja visto que esta organização se envolveu diretamente na repressão contra inimigos do regime militar. Nos anos de chumbo, os carros do Grupo Folha eram fornecidos para transportar vítimas das perseguições políticas do governo. Estas informações estão disponíveis para escrutínio público num relatório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo. O que podemos esperar de uma organização com este distinto histórico?

Mas ao que se refere à foto explorada na capa da Folha de S. Paulo desta quinta-feira, dia 19 de janeiro de 2023, a fotógrafa Gabriela Biló se pronunciou em suas redes sociais alegando que “fotojornalismo não é feito para agradar”, como se veicular uma imagem violenta como essa num jornal de viés político notório e com grande circulação no contexto violento em que o país vive fosse o suprassumo da “neutralidade”. O pronunciamento da fotógrafa também deu margem para alegações de que seria algo como uma “expressão artística mal compreendida”. Arte?

Arte que não é politicamente engajada é lixo superestrutural da História – em especial se estiver à serviço de poderes reacionários. E mesmo que seja alegada “preocupação” com a “cobertura dos fatos”, o Jornalismo também não é neutro. O jornalista deve ter consciência da envergadura política de sua profissão num contexto de disputas de interesses. A fotógrafa se equivocou, não estava expondo sua foto para uma mostra artística ou jornalística. Entregou a foto para uma máquina de guerra que veiculou a imagem para olhos treinados e não treinados. Esta situação demonstra ainda pouco preparo de vários segmentos profissionais em abordar assuntos políticos.

Essa falta de preparo é o desconhecimento de uma coisa chamada “correlação de forças” em um contexto crítico que vivemos. Ao fornecer material valioso para a Folha de S. Paulo, a fotógrafa demonstra não conhecer as consequências do jogo semiótico envolvido na “Guerra Híbrida” – conceito lamentavelmente ainda pouco conhecido. A Guerra Híbrida que é um conflito multivetor enseja uma realidade que não pode ser ignorada por ninguém que queira tratar de política contemporânea de maneira responsável. Ignorar este conceito nascido de artigos militares do Pentágono na década de 1990 é se colocar como instrumento ou vítima de articulações de uma sofisticada manobra de guerra de interesses.

É um cinismo muito grande alegar que essas situações são representações artísticas. Por exemplo, a capa da revista Newsweek de 2011 ilustrando uma “arte” com a cabeça do ex-líder da Líbia Muammar Khadafi em 2011 foi a antessala da barbárie que assolou o país, uma nítida propaganda ocidental do massacre contra um líder do nacionalismo africano que deixou consequências nefastas ao país árabe.

Mais um exemplo do quão nociva é a interferência estrangeira nos assuntos africanos. Curiosamente, o mesmo tipo de representação foi feita contra o próprio Lula na capa de uma edição da revista VEJA no auge da Operação Lava Jato. A capa em questão trazia uma “arte” com a cabeça de Lula como um troféu guilhotinada. Se não é arte, tampouco é compromisso com a verdade. Pelo contrário, representações como essas servem como ações de voluntarismo numa luta contra a verdade, em prol da desinformação num âmbito das comunicações monopolistas e que contribui para exprimir a ideia de um Lula morto, liquidado.

Este não é o país que queremos construir. Acabar o bolsonarismo e o fascismo não é uma missão de burocratas e magistrados, é uma missão de todos nós.

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