Criada para patrulhar rodovias, corporação virou braço armado do projeto de Bolsonaro.
As instituições começaram a funcionar para Silvinei Vasques. O diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal virou réu por improbidade administrativa. É acusado de usar a estrutura e a imagem do órgão para favorecer a candidatura derrotada de Jair Bolsonaro. Vasques chegou ao cargo graças à proximidade com o primeiro-filho Flávio Bolsonaro. Nos últimos anos, encarnou como ninguém o aparelhamento do Estado a serviço do clã presidencial.
Na ação, o Ministério Público Federal enumerou oito momentos em que o policial fez campanha pelo capitão — sempre de farda e ostentando o distintivo da PRF. Em entrevista a uma rádio governista, chamou o presidente de “mito”. Em solenidade, entregou ao ministro da Justiça uma camisa com o número do candidato à reeleição. A série culminou com um pedido explícito de voto. Na véspera do segundo turno, Silvinei publicou a foto de uma bandeira do Brasil. A legenda parecia uma ordem aos subordinados: “Vote 22 — Bolsonaro presidente”.
A Constituição estabelece que os agentes públicos devem seguir os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. A Lei de Improbidade Administrativa os proíbe de enaltecer políticos e personalizar atos, obras ou serviços. O estatuto dos policiais classifica como transgressão disciplinar “valer-se do cargo com o fim ostensivo ou velado de obter proveito de natureza político-partidária, para si ou terceiros”. Vasques jogou todas as regras para o ar ao virar dublê de policial e cabo eleitoral.
Além de responder à ação de improbidade, o diretor da PRF é alvo de mais duas investigações conduzidas pela Polícia Federal. A primeira apura sua participação em blitze ilegais no domingo do segundo turno. Descumprindo decisão do TSE, a polícia montou centenas de barreiras para inspecionar documentos e procurar pneus carecas. O objetivo da manobra era tumultuar as estradas e aumentar a abstenção. As operações foram concentradas no Nordeste, onde a oposição liderava por ampla margem em todas as pesquisas.
O segundo inquérito trata da vista grossa da PRF aos bloqueios iniciados por extremistas após a derrota de Bolsonaro. Quando os piquetes se alastraram pelas rodovias do país, o ministro Alexandre de Moraes precisou ameaçar Vasques de afastamento e prisão em flagrante por desobediência para que a polícia começasse a se mexer.
O cerco ao chefe da PRF indica que há limites para a captura do Estado a serviço de um projeto político. É de se questionar se as instituições funcionariam da mesma forma se Bolsonaro tivesse sido reeleito. De qualquer forma, a provável punição de Vasques servirá de exemplo a outros policiais e servidores que se julgam acima da lei.
Mais que punir o diretor, será preciso desbolsonarizar a PRF. Nos últimos anos, a corporação deixou suas atribuições em segundo plano e foi estimulada a atuar fora das rodovias, a pretexto de colaborar “na prevenção e no enfrentamento ao crime”. Uma dessas operações resultou numa chacina com 26 mortos em Minas Gerais. Os filhos do presidente festejaram o banho de sangue. “Fiquem tranquilos, só vagabundos reclamarão. #GrandeDia”, tuitou o deputado Eduardo Bolsonaro.
*Bernardo Mello Franco/O Globo