Intimado pelo Tribunal Superior Eleitoral a não constranger nem atrapalhar o transporte de eleitores no dia da eleição, o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal respondeu permitindo mais de 500 abordagens de ônibus até o meio-dia de domingo: 70% mais do que no primeiro turno inteiro. Não se sabe ainda quantas foram durante o dia todo.
E daí? Após se reunir com a Justiça eleitoral, o diretor da PRF se comprometeu a suspender as ações policiais. Não se sabe quando. Em troca, o TSE não deve punir ninguém, nem ampliou o horário de votação. O impacto da desobediência policial será medido pelo aumento da taxa de abstenção nas áreas alvo das operações. Qualquer aumento além do que foi observado em eleições passadas entre o 1º e o 2 turnos será indício de interferência indevida no processo eleitoral.
As denúncias de abordagens da Polícia Rodoviária Federal feitas neste domingo se concentram no Nordeste, onde Lula superou Bolsonaro no primeiro turno na proporção de 3 votos a 1. Segundo reportagem da Folha, 82 abordagens a ônibus foram feitas apenas em Alagoas. Ou seja, dez vezes mais abordagens do que o peso de Alagoas no eleitorado. Há denúncias também na Bahia, Maranhão e Paraíba, entre outros estados.
Segundo a Vigília Cívica, que reúne organizações da sociedade civil pela segurança dos eleitores e pela integridade do processo eleitoral sediada da OAB/SP, foram identificadas ações da Polícia Rodoviária Federal em pelo menos 18 cidades de 10 estados na manhã e início da tarde deste domingo, principalmente na região Nordeste.
Em Pernambuco, foram 4 operações (Serra Talhada, Abreu e Lima, Garanhuns, Pesqueiros). Além disso, houve duas na cidade Rio de Janeiro: na Ponte Rio Niterói e Avenida Brasil. Cada operação implica várias abordagens a vários veículos, principalmente ônibus.
As ações que dificultam o acesso dos eleitores às urnas não se limitam à Polícia Rodoviária Federal. O Metrô de Belo Horizonte, administrado por uma empresa subordinada ao governo federal, também descumpriu decisão judicial para deixar as catracas livres e, durante boa parte do domingo, cobrou pagamento de tarifa dos eleitores. Minas Gerais é o estado onde Bolsonaro mais fez campanha no segundo turno para tentar superar a vantagem de Lula.
O TSE oficiou a Polícia Rodoviária Federal, pedindo explicações. O PT pediu a prisão do diretor-geral. Nada disso deve ter efeito prático para mitigar as ações da PRF. O temor do partido é que o aumento da abstenção, principalmente no Nordeste, diminua a votação de Lula na região e roube a vitória do ex-presidente. Há motivo para preocupação.
Nas eleições presidenciais de 2014 e 2018, a abstenção cresceu 9% e 5% do primeiro para o segundo turno, respectivamente. Projetando a média desses crescimentos (7%), é esperado que a abstenção aumente em 2022 dos 21% do primeiro turno para 22,4% no segundo turno que acontece hoje. Algo muito acima disso seria atípico. Mas a média nacional não diz muito.
O melhor é usar a mesma metodologia e projetar o crescimento esperado por unidade da federação, porque as ações para constranger os eleitores não foram iguais em todas regiões. No caso do Nordeste, as taxas de abstenção esperadas hoje por estado seriam as seguintes:
- Alagoas: 23,1% (crescimento de 6% sobre o 1º turno)
- Bahia: 19,4% (+ 4%)
- Ceará: 21,8% (- 3%)
- Maranhão: 28,3% (+ 15%)
- Paraíba: 23,2% (+ 5%)
- Pernambuco: 19,1% (+ 5%)
- Piauí: 20% (+ 13%)
- Rio Grande do Norte: 19,4% (+ 5%)
- Sergipe: 24,3% (+ 7%)
No Sudeste, as taxas esperados de abstenção seriam:
- Espírito Santo: 22,5% (+ 12%)
- Minas Gerais: 22,4% (+ 5%)
- Rio de Janeiro: 19,4% (+ 7%)
- São Paulo: 23% (+ 3%)
No Sul, onde a apuração deve terminar antes e onde Bolsonaro é favorito, as taxas esperadas de abstenção no segundo turno são:
- Paraná: 18,3% (+ 6%)
- Rio Grande do Sul: 20,7% (+ 6%)
- Santa Catarina: 22,1% (+ 6%)
Ressalva. Obviamente, as taxas estaduais também são médias, podem diluir problemas mais graves em áreas específicas, como a periferia das capitais ou regiões do sertão. Apenas uma comparação por seção de votação permitirá uma análise precisa de onde a abstenção cresceu mais e qual o candidato que perdeu mais votos. Mas isso só será possível quando o TSE divulgar os resultados por urna.
E tem mais essa. Essa interferência de órgãos do governo federal no processo eleitoral tornam ainda mais evidente o despropósito do projeto de lei que a Câmara dos Deputados pretende aprovar punindo institutos de pesquisa que “errarem” durante as eleições.
As pesquisas são de “intenção de voto”. Se o eleitor é impedido de transformar intenção em voto no dia da eleição – pela polícia ou empresas de transporte – não há como medir esse fenômeno antecipadamente. No entanto, Arthur Lira quer punir os institutos. Faria muito mais sentido punir os criminosos que impediram o eleitor de votar.
*Com Uol