Falta pouco mais de um mês para as eleições de 2 de outubro.
Para alguns, o quadro eleitoral está definido e a chance de mudança é pequena ou quase nula. Infelizmente não consigo compartilhar deste otimismo que verifico em muitos setores do pensamento progressista brasileiro e em parte da esquerda.
As recentes eleições na América Latina ensinam como as disputas presidenciais na região têm sido difíceis e como a classe dominante local, no todo ou em parte, não mede esforços para emplacar seus candidatos.
Onde a vitória dos nomes de extrema-direita ou de direita se mostra difícil, a estratégia tem sido levar a disputa para o segundo turno. O objetivo é claro: arrancar dos candidatos progressistas compromissos que poderiam ser evitados.
No caso brasileiro, as eleições acontecem num quadro marcado por ameaças permanentes de um presidente fascista à nossa combalida democracia, passando pelo delicado contexto latino-americano e chegando até as graves turbulências do cenário mundial, com o Tio Sam fazendo de tudo para conter a emergência do mundo multipolar, capitaneado por China, Rússia e o Sul global.
Não está descartado nem mesmo que o conflito na Ucrânia que, na prática, é entre Estados Unidos e Rússia, se transforme em terceira guerra mundial.
Uma possível vitória de Lula, por sua vez, aponta para a recuperação da soberania brasileira e para o fortalecimento do Sul global, com ele se colocando como líder capaz de dialogar com todos num mundo em acelerada transformação.
Daí as implicações desta eleição ultrapassarem em muito as fronteiras nacionais.
Como discutir estas questões não interessa aos poderosos de plantão, o debate de ideias nesta campanha promete repetir a pobreza que teve lugar em 2018, com o medo a as pautas de costumes tomando o lugar dos assuntos efetivamente relevantes para a maioria da população.
Agora existem até agravantes: as fake news estão mais sofisticadas, Bolsonaro tem o apoio de parcela dos militares e dá mostras de que não pretende respeitar as instituições. Some-se a isso a tentativa de se criar uma espécie de guerra de religiões no país por parte de Bolsonaro.
DE VOLTA AOS TEMPOS DOS “CORONÉIS”
O ex-presidente Lula lidera, com folga, todas as pesquisas de intenção de votos.
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Bolsonaro, por sua vez, vem mantendo a posição de um segundo lugar distante, mesmo as últimas avaliações tendo indicado ligeira melhora no seu desempenho.
Fato que pode ser atribuído ao conjunto de medidas eleitoreiras que colocou em prática, a começar pelos auxílios e vouchers que passou a distribuir para diversos segmentos da população com o aval do Congresso Nacional e naturalização por parte da mídia.
Não é porque foi aprovado por um Parlamento majoritariamente integrado e comandado pelo Centrão (a turma do orçamento secreto), que tais medidas deixaram de ser eleitoreiras e um escárnio para a democracia.
Que a maioria da população precisa e muito desses auxílios, não resta dúvida. Mas a pobreza, provocada por este desgoverno, não pode ser utilizada por ele para manter-se no poder. Tanto que para esses auxílios serem viabilizados, sem se tornarem crime eleitoral, foi necessária aprovação do estado de emergência no país.
No mínimo, uma mídia comprometida com a democracia e com eleições limpas deveria estar denunciando isso diariamente. O Brasil retrocedeu aos tempos da República Velha, dos “coronéis” que negociavam votos em troca de pares de botas.
Para quem teve olhos e ouvidos para ver e escutar, Bolsonaro reafirmou suas ameaças à democracia ao vivo e em cores, na entrevista que deu ao Jornal Nacional, abrindo a série com os candidatos à presidência da República, que a TV Globo realiza nesta semana.
Textualmente, o que ele disse é que só aceitará o resultado das eleições, se elas forem limpas e transparentes, condicionando os fatos ao entendimento das Forças Armadas.
O que as Forças Armadas têm a ver com as eleições? Quem cuida das eleições é o TSE!
Se o questionamento do resultado das eleições de 2018, por Aécio Neves, deu no que deu, não é difícil imaginar o que pode acontecer agora, com parcela dos militares nitidamente apoiando Bolsonaro para não perderem suas boquinhas e boconas.
Pela primeira vez na história brasileira e possivelmente na mundial, militares, sem estar em guerra, receberam cerca de R$ 1 milhão por mês.
Esses assuntos e também a gravíssima crise econômica em que o país está mergulhado não são mostrados pela mídia corporativa e, sem surpresas, também estiveram ausentes na aguardada entrevista de William Bonner e Renata Vasconcellos com Bolsonaro.
Aliás, esta entrevista é um exemplo de como os estrategistas de Bolsonaro atuam e como a Globo, que foi fundamental para elegê-lo, continua passando pano para o ex-capitão.
RECADO ELOQUENTE
Depois de quatro anos sem dar entrevista para a emissora da família Marinho e de ameaçá-la com a não renovação de concessão (que vence em 5 de outubro), Bolsonaro soube aproveitar a oportunidade.
Além de ter reafirmado todas as suas mentiras, não foi confrontado pelos âncoras/entrevistadores no que há de mais essencial em uma eleição: a pauta econômica.
Os dois não perguntaram absolutamente nada para Bolsonaro sobre 33 milhões de brasileiros que passam fome, sobre a volta do país ao mapa da fome da ONU, a inflação de dois dígitos, metade da população desempregada ou subempregada.
Também questões essenciais como a reprimarização da economia brasileira e suas gravíssimas consequências, bem como privatização da Eletrobrás e a destruição da Petrobras, que os Marinho apoiam, ficaram de fora das perguntas.
Não por acaso, os dois assessores que acompanharam Bolsonaro até a porta do estúdio na Globo foram o ministro da Economia, o ultraneoliberal Paulo Guedes, e o ministro da Comunicação, Fábio Faria.
Recado mais eloquente, impossível, pois se Guedes é um amigo da Casa, Faria é o responsável pela renovação de concessões.
Uma entrevista no principal telejornal brasileiro não é qualquer coisa, especialmente quando se sabe que a imagem se tornou um território atravessado por todo tipo de batalhas, mais poderosas do que as na própria vida real.
A entrevista de Bolsonaro foi assistida por 9 milhões de pessoas, entre quem viu direto na TV e quem acessou pelas redes sociais.
Neste quesito, a turma que assessora Bolsonaro sabe muito bem que o importante para ele era manter suas mentiras como verdades, garantir o voto daqueles que estavam meio vacilantes e produzir material para usar nas redes sociais e no horário eleitoral de rádio e televisão, que começa na próxima sexta-feira.
Aliás, não há justificativas para perguntas envolvendo corrupção na família Bolsonaro ficarem de fora nesta entrevista.
Ao não tocar no assunto, os entrevistadores acabaram passando atestado de idoneidade a ele, reforçando a fala de que em seu governo não há corrupção.
Vale a pena observar, com redobrada atenção, como esse assunto será tratado em relação ao ex-presidente Lula na entrevista ao Jornal Nacional, na próxima quinta-feira.
Nessa terça-feira, o candidato Ciro Gomes, ao ser entrevistado no Jornal Nacional, repetiu o que tem feito.
Bateu mais em Lula e no PT do que em Bolsonaro inclusive no quesito corrupção.
Fez, assim, o jogo de Bolsonaro e da família Marinho e deixou explícito que não medirá esforços para empurrar a eleição para o segundo turno.
*Com Viomundo