Plano é usar bicentenário da Independência para reforçar ameaças à democracia; presidente busca intimidar adversários, juízes e sociedade civil.
Copacabana já viu quase tudo desde que o primeiro bonde atravessou o Túnel Velho, em 1892. O bairro assistiu à revolta dos Dezoito do Forte, ao nascimento da bossa nova e ao maior show dos Rolling Stones. A depender do capitão, agora receberá um inédito desfile de tanques e baionetas.
Jair Bolsonaro mandou o Exército transferir para a orla o cortejo oficial do Sete de Setembro. Quer transformar a comemoração do bicentenário da Independência numa parada golpista à beira-mar.
No ano passado, o presidente aproveitou a data cívica para atacar o Supremo Tribunal Federal e chamar as eleições de “farsa”. Agora planeja usar o feriado para reforçar suas ameaças à democracia.
A ideia é promover uma demonstração de força a 25 dias do primeiro turno. A Avenida Atlântica já seria o destino da militância de extrema direita. Com a mudança do desfile, a turma ganhará a companhia de uma tropa uniformizada e armada.
Bolsonaro quer vender a ideia de que paisanos e militares estão unidos pelo mesmo propósito: assegurar sua permanência no poder, seja pelo voto ou pela ruptura institucional.
O objetivo é intimidar os outros candidatos, a Justiça Eleitoral e a sociedade civil. Incluindo as entidades empresariais que despertaram do sono profundo e aderiram as manifestos pró-democracia.
Daqui até a eleição, Bolsonaro fará o possível para radicalizar seus seguidores. Ele sabe que precisará de massa de manobra num eventual levante contra o resultado das urnas.
As viúvas da ditadura já estão habituadas a bater ponto na orla de Copacabana. Desde as passeatas contra Dilma Rousseff, desfilam de roupas camufladas, esbravejam contra o comunismo e urram por uma “intervenção militar”.
Se o golpe não sair, essa turma pode ganhar um último presente do capitão: a chance de tirar selfies com tanques e soldados de verdade.
As bondades de Kassio
Pode parecer, mas Bolsonaro não é o único brasileiro feliz com a atuação de Kassio Nunes Marques. Na última segunda-feira, o ministro revogou mandado de prisão contra o bicheiro Rogério Andrade, acusado de chefiar uma das quadrilhas mais perigosas do Rio. Quatro dias depois, devolveu os direitos políticos ao ex-governador José Roberto Arruda, preso no exercício do cargo em meio a um escândalo de corrupção.
O sobrinho de Castor de Andrade foi em cana na sexta-feira, em outra operação contra o crime organizado. A decisão que o levou para a cadeia cita provas de pagamento de propina a policiais. Um bilhete apreendido na casa do bicheiro registra o protesto de três delegacias pelo “retorno da merenda”.
*Bernardo Mello Franco/O Globo