Corte de recursos ocorre em momento de descontrole sobre o arsenal; inquéritos policiais revelam que cidadãos com antecedentes criminais têm obtido carteirinhas de CACs.
Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, o Exército reduziu para menos da metade o orçamento destinado à fiscalização de acervos privados de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs), lojas e clubes de tiros. Em meio à explosão do setor armamentista e de novos registros de armas, o órgão investiu quase R$ 1,7 milhão em visitas e operações para vistorias em 2021, 54% menos do que os R$ 3,6 milhões alocados para o mesmo fim em 2018.
O corte de recursos ocorre num momento de descontrole sobre o arsenal em circulação, segundo especialistas. Inquéritos policiais recentes revelam que cidadãos com perfil violento, mesmo com antecedentes criminais, têm obtido suas carteirinhas de CACs e conseguido manter seus arsenais em casa. A legislação brasileira proíbe que alguém que responde a processo criminal ou inquérito policial seja CAC.
Em 2021, o Exército fiscalizou 3,6% dos 499.135 locais que deveriam ser inspecionados, entre acervos privados de CACs, lojas e clubes de tiro. Embora com orçamento reduzido, o órgão informa ter quase sextuplicado o número de visitas a esses locais naquele período. Foram 3,2 mil inspeções, em 2018, e 18,4 mil, em 2021. O custo de uma visita passou de R$ 1.124 para cerca de R$ 90. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e analisados pelo Instituto Igarapé, a pedido do Globo.
Depois da flexibilização das leis de acesso, o número de brasileiros com Certificado de Registro saltou de 117 mil, em 2018, para 673 mil, neste ano, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas não só. Nesse período, cresceram também novas armas em circulação e clubes e lojas de tiros. Outro aspecto preocupante é que o total de armas autorizadas para cada registro aumentou. Um caçador pode ter até 30 armas e um atirador esportivo, 60. E mais potentes que antes.
Para Melina Risso, diretora de pesquisa do Igarapé, ao aumentar significativamente os registros concedidos de CACs e novas armas e munições, o Exército prejudica a avaliação e o critério. Segundo ela, o órgão tampouco consegue garantir, ao longo do processo, o monitoramento adequado do acervo, com visitas para verificar se aquilo declarado no papel está ocorrendo, de fato, na prática.
— O Exército precisa nos contar, com transparência, qual é a mágica. Diante do aumento da inflação, do preço dos combustíveis, como se pode fiscalizar muito mais com metade do dinheiro? — questiona Melina. — Pelo volume de casos recentes de criminosos ou pessoas que não tem carreira criminosa, mas com histórico violento, que acessam arma de fogos, temos claramente uma fragilidade em todos os mecanismos de controle.