Insistência no negacionismo ajudará presidente a manter tropa unida em caso de derrota.
A Terra é plana. A Amazônia não pega fogo. A Covid é só uma gripezinha. A urna eletrônica foi programada para roubar votos dos patriotas. Na era da comunicação instantânea, negar a realidade deixou de ser atestado de ignorância. Virou tática para fidelizar seguidores e se perpetuar no poder.
No comício do Alvorada, Jair Bolsonaro bombardeou os embaixadores com mentiras e teorias conspiratórias. Praticou “negacionismo eleitoral”, na definição do ministro Edson Fachin. O presidente do TSE pediu um “basta” à desinformação e ao populismo autoritário. Se depender das convicções democráticas do capitão, é melhor esperar sentado.
Bolsonaro tem um plano. Quer permanecer no cargo a qualquer custo, seja no voto ou na marra. O segundo cenário não depende mais de um golpe clássico, nos moldes de 1964. O capitão parece apostar numa versão tupiniquim da invasão do Capitólio, estimulada no ano passado por seu ídolo Donald Trump.
Um vídeo divulgado na quinta-feira trouxe revelações sobre a baderna nos EUA. No dia seguinte ao tumulto, Trump gravou um pronunciamento na Casa Branca. Ao ler o discurso, pulou a frase em que admitiria a derrota para Joe Biden. “Não quero dizer que a eleição acabou”, explicou a assessores. A recusa a reconhecer o resultado ainda mantém parte de seus eleitores em negação.
Na sexta, uma repórter perguntou a Bolsonaro se ele entregará a faixa presidencial caso seja derrotado em outubro. “Você tá louca que eu fale ‘não’, né?”, respondeu o capitão. Em seguida, ele voltou a defender uma apuração paralela comandada por militares. Tudo em nome da “estabilidade” e da “transparência”, como disse aos diplomatas estrangeiros.
O negacionismo também pode ser útil para manter a tropa unida fora do poder. Cerca de 70% dos eleitores republicanos ainda acreditam que a vitória de Biden foi roubada, apesar da absoluta inexistência de provas. Ao insistir na mentira da fraude, Trump se mantém no páreo como alternativa para 2024. Se o projeto do golpe naufragar, Bolsonaro precisará de um discurso para não desmobilizar seus seguidores. É perda de tempo esperar que ele atenda ao apelo de Fachin.
*Bernardo Mello Franco/O Globo