A indignação de analistas e diplomatas em relação ao encontro no Alvorada foi generalizada.
Ao atacar o sistema eleitoral e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na reunião com embaixadores na última segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro (PL) deu um tiro no pé, no encontro inédito e inusitado, de acordo com especialistas. Segundo eles, o chefe do Executivo fez o contrário do recomendado pela diplomacia tradicional ao partir para a lavagem de roupa suja junto a representantes de pouco mais de 70 países. E, mesmo assim, não conseguiu o apoio esperado do corpo diplomático para desacreditar as urnas eletrônicas ou dar suporte a eventuais protestos como os da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em janeiro de 2021, diz o Correio Braziliense.
No entender de analistas, Bolsonaro — que está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto — deu sinais de preocupação com uma possível derrota, mas não encontrou respaldo entre importantes parceiros comerciais, que evitaram apoiar publicamente as declarações do presidente e ainda reforçaram a confiança no sistema democrático brasileiro, pelo qual Bolsonaro e seus filhos foram eleitos a diversos mandatos.
A delegação da União Europeia evitou comentar o assunto. Já a embaixada dos Estados Unidos no Brasil emitiu uma nota, no dia seguinte ao encontro, reforçando a confiança nas urnas eletrônicas e destacando que o sistema é um modelo para o mundo. Ontem, o governo norte-americano reiterou a confiança no sistema eleitoral brasileiro e destacou que deve acompanhar as eleições de outubro “com grande interesse”.
“Na nossa visão, as eleições no Brasil vêm sendo conduzidas pelo sistema eleitoral brasileiro, capacitado e já testado, e pelas instituições democráticas com sucesso por muitos anos, então, trata-se de um modelo para nações não apenas para este hemisfério”, disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, em Washington, após ser questionado por jornalistas sobre a polêmica reunião de Bolsonaro com embaixadores. “Como um parceiro democrático do Brasil, vamos acompanhar as eleições gerais de outubro com grande interesse, e a nossa expectativa é que o processo seja conduzido de forma livre, justa e confiável, com todas as instituições agindo conforme seu papel constitucional.”
“Humilhante”
A indignação de analistas e diplomatas em relação ao encontro no Alvorada foi generalizada. “A reunião de Bolsonaro com os embaixadores não tem precedentes nos anais da diplomacia mundial. Nunca ouvi falar de nada parecido em termos de absurdo. É uma iniciativa tão chocante e humilhante para o país que nem o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, que foi capaz das maiores barbaridades, chegou a pensar nisso”, destacou o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricúpero.
Para ele, a reunião não terá nenhuma eficácia em termos internacionais, pois Bolsonaro não apresentou provas das acusações. “A única medida sobre eleições que produz eficácia internacional é o atestado de observadores qualificados de que um determinado pleito ocorreu de modo correto”, acrescentou.
Ricúpero lembrou que entidades como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização de Cooperação e Segurança Europeia (OCSE) têm vasta experiência técnica de fiscalização de eleições, da mesma forma que entidades privadas, como a Fundação Carter. “O correto é convidar organizações como essas para enviar missões de observação e fornecer a essas missões todos os meios de acesso para cumprir a missão”, orientou.
Na avaliação do ex-embaixador do Brasil na Itália, Bolsonaro não será levado a sério por nenhum país responsável e influente pelo que fez na reunião. “O resultado mais provável é que os países estrangeiros verão na iniciativa do encontro um sinal perigoso da preparação de um golpe no Brasil. Em vez de ter efeito positivo, vai dar tempo para que os países estrangeiros se preparem para condenar o golpe”, frisou.