A 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou nesta segunda-feira (4) que a Marinha do Brasil suspenda a desclassificação de uma candidata trans no concurso realizado neste ano para Oficiais do Serviço Militar Voluntário. A estudante Sabrina, que não terá o sobrenome revelado, passou em primeiro lugar empatada com outros quatro candidatos na prova escrita e foi barrada do processo seletivo na fase de inspeção de saúde, segundo o Uol.
Na desclassificação, a Marinha alegou que ela sofria de hipogonadismo – uma deficiência na produção de hormônios sexuais. A condição consta no edital do concurso da instituição como critério para a eliminação de candidatos.
Para continuar no processo, a estudante entrou com uma ação na Justiça alegando que, devido a uma cirurgia de redesignação sexual realizada em 2016, faz reposição hormonal com estrogênio – hormônio feminino.
A defesa da estudante apresentou um laudo assinado pela médica Renata Maksoud Bussuan, que atestou que Sabrina é normogonádica, ou seja, apresenta taxas hormonais compensadas pela administração de hormônios femininos e que não sofre de hipogonadismo como alegou a Junta Médica.
Na decisão, que tem caráter liminar, o juiz federal Dimitri Vasconcelos Wanderley destacou que “qualquer impedimento ao acesso da autora ao serviço militar mediante concurso, que tenha como fundamento, implícita ou explicitamente, o fato de ser mulher transgênero, configura o crime de racismo”. Além disso, citou a decisão, de 2019, do STF (Supremo Tribunal Federal), que enquadra crimes de homofobia e transfobia como crime de racismo até que o Congresso Nacional edite leis específicas para os crimes.
“Defiro o pedido de tutela de urgência para a Marinha do Brasil da autora na inspeção de saúde baseada em suposta deficiência de saúde inexistente, permitindo que ela participe das outras etapas do processo seletivo, e, se lograr êxito nestas etapas, ingresse no curso de formação de oficiais”, pontuou o juiz na liminar.
Processo seletivo
Sabrina foi aprovada em primeiro lugar no exame de múltipla escolha, empatada com outros quatro candidatos. A prova foi a primeira etapa do processo seletivo e foi realizada em fevereiro. Posteriormente, a estudante apresentou documentos pessoais e documentos comprobatórios para a Prova de Títulos, que concede aos candidatos uma pontuação adicional equivalente ao título apresentado, como cursos, pós-graduação, mestrado e assim por diante.
As últimas etapas do certame consistiam no TAF (Teste de Aptidão Física) – que tem objetivo eliminatório e não atribui pontos aos participantes, e a inspeção de saúde – que julgou Sabrina como não apta. Antes da desclassificação, ao comunicar que era trans, a candidata precisou apresentar mais de 40 exames médicos que não foram solicitados aos demais candidatos. Além disso, ela disse ter desembolsado mais de R$ 3 mil para comprovação do seu bom estado de saúde.
O processo movido por Sabrina segue em andamento na Vara Federal do Rio de Janeiro. Além do retorno ao processo seletivo, a estudante também pede R$ 150 mil em danos morais pelo constrangimento sofrido ao longo das consultas com a Junta Médica da Marinha.
Sabrina disse estar se sentindo “feliz e tranquila” com a liminar e fez questão de enfatizar a importância da decisão para pessoas trans. “Eu tô dentro. A gente está construindo jurisprudência favorável às pessoas trans. Vamos em frente, de decisão em decisão”, afirmou a candidata.