Orgulhoso de sua política armamentista, Bolsonaro retirou armas de ao menos uma base da Funai na região amazônica, onde indígenas sofrem com invasões de garimpeiros, narcotraficantes e traficantes de armamentos segundo reportagem de Tácio Lorran, no Metropoles.
Decisão teria inviabilizado serviços essenciais para a proteção dos grupos indígenas que vivem na área demarcada.
Durante a gestão do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Fundação Nacional do Índio (Funai) retirou armas de fogo que estavam em ao menos uma das bases de proteção do órgão na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, no Amazonas. A informação foi repassada ao Metrópoles por duas entidades locais, e confirmada por um servidor do órgão, que pediu para não ser identificado por medo de represálias.
Alvo recorrente de invasões de caçadores e pescadores ilegais, além de narcotraficantes, a região foi o último local onde o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram vistos. Eles estão desaparecidos há mais de uma semana.
A retirada das armas de fogo inviabilizou, segundo denúncia enviada ao Ministério Público Federal (MPF), serviços essenciais para a proteção dos grupos indígenas que vivem na TI. Devido à decisão, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) enviou uma representação à Procuradoria da República do Amazonas (Pram), que abriu procedimento investigatório e, em seguida, transformou a apuração inicial em inquérito civil, no ano passado, para investigar o caso.
No coração da Amazônia, o Vale do Javari fica na fronteira com Colômbia e Peru, em uma região considerada rota do tráfico internacional de drogas. A terra indígena também sofre invasões corriqueiras de caçadores, garimpeiros e pescadores ilegais, situação que teria se agravado durante o governo Bolsonaro. Em dezembro de 2018, uma das bases de proteção da Funai, a Base Ituí-Itacoaí, chegou a ser alvejada por invasores.
A retirada das armas teria acontecido no período em que o tenente da reserva do Exército Henry Charlles Lima da Silva atuou como coordenador da Funai no Vale do Javari. De acordo com registros do Diário Oficial da União (DOU), o militar foi nomeado em 9 de julho de 2020 pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Tercio Issami Tokano – que atualmente trabalha no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Ele foi exonerado, a pedido, mais de um ano depois, em 5 de novembro do ano passado.
“A Funai, para não se comprometer, principalmente com os indígenas que estavam a serviço dessa vigilância – pois eles têm um contrato temporário para cuidar daquela base –, resolveu retirar [as armas de fogo]. Foi na coordenação de um ex-militar chamado Henry, e ele tomou essa decisão de retirar”, confirmou a liderança Manoel Churimpa, membro do povo Marubo e da organização União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), ao Metrópoles, na tarde de segunda-feira (13/6).
“Segundo o coordenador na época, o papel de fiscalização pertence ao Ibama, e a Funai não tem autorização para fazer segurança armada. De repente, os indígenas, colaboradores, caso confrontassem algum invasor, sobraria para a Funai, que não teria justificativa para autorizar os indígenas a terem arma”, prosseguiu o indígena, falando das alegações do órgão.
Em nota divulgada em julho de 2021, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato também confirmou a retirada das armas. “Afrontando determinação superior, [Henry] recolhe pessoalmente as armas de fogo institucionais na Base de Proteção no rio Curuçá, deixando a equipe que lá atua vulnerável. Tais armamentos, além de imprescindíveis para a segurança da própria equipe, proporcionam alimentação para os colaboradores indígenas que ali atuam e que tem na caça a fonte principal de sua nutrição tradicional”, detalhou o órgão.