Jair Bolsonaro é um golpista. Nunca escondeu, nunca disfarçou, nunca se sentiu obrigado a mudar. O capitão ganhou fama como defensor da ditadura e da tortura. Eleito com votos de militares, passou 28 anos na Câmara como símbolo do extremismo de direita.
No terceiro mandato parlamentar, Bolsonaro ganhou as manchetes ao pregar o fechamento do Congresso e o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. Questionado sobre o que faria se chegasse ao Planalto, abriu o jogo: “Daria golpe no mesmo dia”.
Na mesma entrevista, o então deputado disse que o Brasil precisava de uma guerra civil, mesmo que isso provocasse a morte de inocentes. Ele também escancarou seu desprezo pelas eleições. “Através do voto, você não vai mudar nada neste país. Nada, absolutamente nada”, decretou.
Numa trapaça da História, o inimigo da democracia se valeu dela para chegar ao poder. Na campanha de 2018, Bolsonaro se vendeu como o extremista de sempre. Falou em fuzilar adversários políticos, disse que as minorias teriam que se curvar às maiorias, renovou ameaças ao Judiciário e à imprensa.
A uma semana da eleição, prometeu “uma limpeza nunca vista”. Acrescentou que mandaria a “petralhada” para a “ponta da praia” — referência a um local usado pela ditadura para ocultar cadáveres de presos políticos. Nada disso impediu que ele fosse eleito com 57 milhões de votos e amplo apoio da elite econômica.
Ao subir a rampa, Bolsonaro começou a pôr em marcha o plano anunciado em 1999. Não deu o golpe “no mesmo dia”, mas trabalha desde a posse para viabilizá-lo. Seu governo é marcado pelo ataque permanente às instituições e pela campanha incessante contra o sistema eleitoral.
Bolsonaro sabe que as urnas eletrônicas são invioláveis. Sua ofensiva faz parte de uma estratégia para se perpetuar no poder. O capitão já deixou claro que só aceitará o resultado em caso de vitória. Se for derrotado, fará o possível para tumultuar o país e impedir a posse do sucessor.
No último 7 de Setembro, o bolsonarismo promoveu um ensaio geral do golpe. Não foi até o fim, mas deu novos passos no caminho da ruptura. Atacou o Supremo, questionou a segurança das urnas e definiu as eleições como uma “farsa patrocinada pelo TSE”. “Só saio preso, morto ou com vitória”, desafiou.
Faltam 140 dias para o primeiro turno. Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro eleva a cada dia o tom das ameaças. Na quarta-feira, fez um chamado à sublevação armada. “Quero que todo cidadão de bem possua sua arma de fogo para resistir, se for o caso, a um ditador de plantão”, discursou. Na retórica dos autocratas, o ditador é sempre o outro.
Depois de encenar mais um falso recuo, o capitão voltou a conspirar à luz do dia. Nas últimas semanas, sua ofensiva ganhou apoio explícito de porta-vozes da caserna. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, fez novas provocações ao TSE. O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, endossou o discurso de questionamento das urnas.
Na terça-feira, o candidato Ciro Gomes fez um alerta: “Há indícios claros de que está em curso um golpe contra a democracia, cujo alvo são as próximas eleições. Ou a sociedade e as lideranças políticas tomam providências já ou chegaremos a um ponto sem retorno”.
O golpe de Bolsonaro já começou. Se a democracia brasileira sucumbir, não será por falta de aviso.
*Bernardo Mello Franco/O Globo