O governo Bolsonaro está se opondo à ideia apresentada em Genebra para aumentar em 50% o orçamento da OMS, a Organização Mundial da Saúde. O projeto, defendido pela cúpula da principal agência de saúde do mundo, é apoiado por governos europeus e africanos. Mas enfrenta forte resistência em regiões como as Américas.
Pela proposta, o aumento de 50% no orçamento permitiria que a OMS contasse com US$ 1,2 bilhão extra para lutar contra surtos, epidemias e lidar com desafios de saúde pública.
As contribuições dos governos são obrigatórias. Cada país paga com base em um cálculo que inclui o tamanho de seu PIB, condições de desenvolvimento e outros fatores. No caso brasileiro, a contribuição para a OMS chega a US$ 15 milhões por ano, o que coloca o país na sétima colocação entre os maiores contribuintes.
Nos últimos anos, porém, o Brasil tem sofrido para conseguir pagar suas contribuições.
No auge do primeiro ano da crise sanitária, em 2020, governos exigiram que o trabalho da OMS passasse por uma espécie de auditoria e que reformas fossem propostas. O trabalho concluiu que, de fato, mudanças precisam ocorrer. Mas a agência precisaria ser reforçada em seu orçamento para ter capacidade para cumprir seu mandato. Hoje o orçamento é equivalente ao de um hospital de médio porte nos EUA.
Ao longo dos últimos meses, diversos países em desenvolvimento e que poderiam ser beneficiados por mais recursos da OMS se mostraram interessados em apoiar o projeto.
Para tentar convencer os principais doadores, a ideia é que o aumento ocorra ao longo de seis anos, começando em 2024. Ao final do período de transição, a agência passaria a contar com um orçamento de base de US$ 2,1 bilhões, além de doações específicas e complementos por programas.
Internamente, o temor da OMS é de que, sem esse incremento de recursos, os próximos anos serão testemunhas de uma marginalização gradual da instituição. Outro cenário é que doadores privados acabem dominando a agenda da agência. Hoje, a Fundação Gates é a maior doadora da entidade, com US$ 775 milhões no orçamento de 2022 e 2023. O problema é que apenas US$ 200 milhões vão para o orçamento regular. O restante é usado com base nas orientações da Fundação Gates.
Mas, apesar da pressão por aumentar recursos, governos alegam que a instituição não é transparente o suficiente e nem eficiente em sua gestão para justificar um aumento de dinheiro público.
Numa reunião nesta terça-feira (25), em Genebra, o Itamaraty tomou a palavra para justificar sua posição. Para o governo, o debate sobre o fortalecimento da OMS precisa estar baseado em “novas premissas”. Ou seja, em uma nova proposta de orçamento.
O Itamaraty considera que qualquer decisão sobre o aumento de orçamento apenas ocorra depois que decisões sejam tomadas sobre ganhos de eficiência, redução de custos, governança e transparência.
De acordo com o governo, muitos países ainda lidam com ondas de contaminações da covid-19 e o impacto econômico e social da pandemia é profundo.
O Brasil não está sozinho em sua recusa em falar sobre aumento, sem garantias de reformas. Japão e outros governos tampouco consideraram a proposta como um passo sustentável, cobrando maior transparência por parte da burocracia multilateral.
Ao final do encontro, o presidente do grupo de trabalho que havia sido estabelecido para debater o aumento de orçamento admitiu que não houve um consenso. Bjorn Kummel, da Alemanha, mediou o processo negociador e indicou que um número importante de países apoiava a proposta, enquanto outros queriam que o aumento fosse ainda maior.
Mas ele lamentou que um grupo tenha se mantido relutante. Kummel alertou que o mundo pode não ter uma brecha tão cedo para promover a mudança de recursos na OMS. Segundo ele, se nem uma pandemia abriu essa janela, potencialmente não haverá uma segunda oportunidade.
Para ele, manter o orçamento como está é “deixar a OMS vulnerável e fragilizada para impedir uma nova crise (sanitária)” no futuro. Segundo o alemão, sem novos recursos, o papel da OMS vai encolher.
“O que estamos debatendo não é um orçamento. Mas o futuro da OMS e se ela consegue cumprir seu mandato”, completou, insistindo que o atual nível de financiamento é “inaceitável”.
*Jamil Chade/Uol