A chapa Lula e Alckmin mostra a estratégia de ambos para 2022. Por Leonardo Rossatto.

A chapa Lula e Alckmin mostra a estratégia de ambos para 2022. Por Leonardo Rossatto.

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Por Leonardo Rossatto

Embora as eleições de 2022 sejam só em 2022, o desespero do brasileiro para se livrar do bolsonarismo definitivamente adiantou o debate. Pesquisas eleitorais surgem em grande escala, como se estivéssemos no mês da eleição, e outros temas acerca do processo eleitoral também viram notícia. Um dos temas mais quentes é a composição das chapas. Quem ai apoiar quem? Quem será vice de quem? Quem os candidatos irão apoiar nas eleições estaduais?

Nesse debate, o principal tema, sem nenhuma dúvida, são as especulações acerca do possível vice-presidente de Lula. Embora Lula desconverse, dizendo que não pode discutir sobre a chapa em um contexto em que nem está oficializado como candidato, é fato que essa discussão está sendo feita nos bastidores. E, nos últimos dias, o nome que surgiu com mais força para compor chapa com Lula foi… Geraldo Alckmin, que anunciou, depois de 33 anos, a sua saída do PSDB.

O Fim de Uma Era no PSDB

A saída de Alckmin do PSDB é o fim de uma era no partido. Por muito tempo, o PSDB esteve dividido entre três grupos: o de Serra, o de Covas (herdado por Alckmin), e o “não paulista”, que acabou gravitando por muito tempo em torno de Aécio Neves. Esses três grupos disputavam a liderança do partido, e o esfacelamento do PSDB passa pelo esfacelamento desses três grupos: o grupo de Serra começou a se desmantelar após 2010, quando Serra perdeu sua última eleição presidencial, e esse processo se aprofundou com a derrota de Serra para Fernando Haddad na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2012. O próprio envelhecimento de José Serra contribuiu para esse processo, uma vez que ele já não tinha mais a mesma energia para continuar exercendo suas atividades políticas de forma centralizadora, o que levou a um movimento natural de desagregação gradual de forças que se concluiu após a eleição de Bolsonaro.

O grupo de Aécio se desmantelou em um processo mais dramático. Após a derrota para Dilma em 2014, o grupo de Aécio partiu para o vale tudo em busca da cassação da chapa. Para isso, buscou queimar Dilma de todas as formas possíveis. Após o impeachment, porém, Aécio nem teve tempo para tentar se qualificar a qualquer coisa: surgiram denúncias pesadas de corrupção contra ele, que inviabilizaram até mesmo uma tentativa de reeleição como Senador. Com isso, Aécio tomou o caminho mais fácil para a manutenção do foro privilegiado: a eleição para deputado federal. O grupo aecista se tornou o grupo mais bolsonarista dentro do PSDB, e ainda hoje tem o comando nacional do partido. Tentou lançar o nome de Eduardo Leite para a Presidência da República, mas perdeu as prévias partidárias para João Dória.

E daí chegamos ao desmantelamento do grupo de Alckmin. Alckmin tinha tudo para herdar a hegemonia política no PSDB, mas cometeu um erro crasso, chamado João Dória. Ao se tornar fiador da eleição de Dória na cidade de São Paulo, Alckmin criou um monstro. E depois foi engolido por ele. Dória traiu Alckmin e tomou dele o controle do partido no estado de São Paulo. Sem espaço no partido, Alckmin não viu outra opção senão sair. Não há nada oficializado, mas o destino óbvio de Alckmin é o PSB de Márcio França, com quem Alckmin mantém relação cordial há mais de uma década. É bom lembrar que Márcio frança foi vice governador de Alckmin e chegou a governar o estado por nove meses em 2018, passando perto de derrotar Dória no segundo turno na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

Outra coisa que separa esses três grupos dentro do PSDB é a posição em relação ao impeachment. Como eu já disse, o Plano A do grupo de Aécio sempre foi a cassação da chapa Dilma/Temer por irregularidades na campanha. Eles investiram forte nessa tese, porque ela implicaria em Aécio assumindo o poder, como segundo colocado na eleição. O grupo de Alckmin, por sua vez, sempre foi mais low profile: eles queriam ver Dilma sangrando até 2018, o que faria Alckmin ser a opção de oposição óbvia.

Quem realmente advogou pelo impeachment foi o grupo de Serra, mas a estratégia deu errado. Serra via o impeachment como uma forma de ganhar poder, uma vez que Temer sempre esteve naquilo que no final do governo FHC era chamada a “ala tucana do PMDB”. Temer, inclusive, foi um dos nomes que impediu o apoio precoce do PMDB à candidatura de Lula em 2002. Nesse contexto, Serra queria mandar no governo de Michel Temer, e chegou a se posicionar para isso enquanto foi chanceler. Os problemas de saúde não permitiram que Serra se destacasse como gostaria, mas o fato é que Serra queria usar o cargo de chanceler para se destacar como FHC fez com o cargo de Ministro da Fazenda entre 1993 e 1994.

O problema é que, no impeachment, o PSDB já não era protagonista, e sim coadjuvante. O partido não teve nenhum poder de definição no processo. Óbvio que, como oposição, eles votariam à favor, mas quem ditava as regras do jogo já era o reacionarismo de centrão, que depois conceberia Bolsonaro como líder político. E essa foi a bala de prata que matou o PSDB.

Muitos se perguntam até hoje porque o PSDB teve menos de 5% dos votos em 2018. A questão é mais simples do que parece. No Brasil pós redemocratização, os votos se dividiram desde sempre entre direita e esquerda, com ambos os campos políticos tendo ao menos 30% dos votos. Em 1989, Lula assumiu a dianteira dos votos de esquerda, e eles nunca mais deixaram de ser do PT na eleição presidencial. Na direita, Collor foi o protagonista em 1989, mas entre 1994 e 2014 o protagonismo do voto de direita foi do PSDB.

Isso acontecia porque de fato se enxergavam dois projetos distintos de país no PT e no PSDB. Um de centro esquerda e um de centro direita. No entanto, essa noção foi se perdendo após o governo Lula. Enquanto o petismo buscava continuar seu projeto, apresentando a cada eleição os frutos dele, o PSDB se tornou cada vez menos um partido defensor de um projeto e cada vez mais um partido de retórica antipetista. Não só porque era mais fácil, mas porque dava mais voto. Muitas iniciativas que originalmente eram do PSDB foram adaptadas e ampliadas pelo PT. E isso empurrou o PSDB para a direita, vendendo uma retórica cada vez menos propositiva e cada vez mais antipetista.

Com isso, o partido perdeu o seu diferencial. E isso ficou claro no impeachment de Dilma e na eleição de 2018. O PSDB se tornou uma direita em crise de identidade, que que tenta se vender como moderada, mas que tem flertes com o reacionarismo. Figuras como Coronel Telhada e Ricardo Salles vieram do PSDB. Nesse cenário, a polarização da eleição de 2018 tornou o voto do eleitor de direita uma escolha fácil: na radicalização pelo antipetismo, o voto de extrema direita assertiva no Bolsonaro fazia muito mais sentido que o voto na direita moderada de Alckmin.

E assim o PSDB perdeu a sua base eleitoral. A grande vítima desse processo foi Alckmin, que foi considerado dentro do partido o grande culpado pelo fracasso eleitoral de 2018. O contexto maior, no entanto, mostra que ele foi praticamente um passageiro da agonia no trem descarrilado do PSDB. Nesse cenário, a saída de Alckmin do partido era algo quase inevitável. E se tornou mais fácil quando Alckmin se certificou de que poderia reconstruir sua carreira política no PSB, junto com Márcio França.

Democratas x Autoritários

Toda a história anterior conta o caminho de saída de Alckmin do PSDB, mas nada, numa análise superficial, justificaria que Lula, em qualquer hipótese, fosse procurar Alckmin para tecer uma aliança. É inegável a capacidade de Alckmin de angariar votos em São Paulo, bem como é inegável que o público de Alckmin não é exatamente o público de Lula. Em uma primeira análise, uma aliança do tipo provocaria rejeição mútua, fazendo os conservadores que sempre votaram em Alckmin torcerem o nariz com a mesma intensidade que a esquerda lulista.

Mas a conta não é tão simples. Lula também passou por maus bocados em eleições anteriores, incluindo uma prisão arbitrária, e a derrota da Haddad para Bolsonaro em 2018 deixou lições para o partido. A primeira delas: colocar a disputa nos termos esquerda x direita sempre vai ser perigoso. Porque foi essa a disputa em 2018, e quem impôs isso não foi Haddad: foi Bolsonaro. A principal acusação que ele trouxe contra o petismo foi a de um esquerdismo criminoso, corrupto, e naquela época eles tinham na prisão do Lula um dos principais argumentos para justificar essa linha argumentativa. Hoje, as acusações contra Lula foram desqualificadas (e foram sim, pessoal, não adianta argumentar contra, não foi só aquela coisa “os processos não deveriam estar em Curitiba”, Sérgio Moro foi oficialmente declarado um juiz suspeito, parcial, algo de extrema gravidade, que poderia levar à expulsão do juiz dos quadros do Judiciário se ele já não tivesse saído para se tornar Ministro do Bolsonaro) e Lula sabe que isso tem que estar bem claro na cabeça do eleitor no ano de 2022.

É aí que entra a segunda parte da estratégia: é preciso qualificar Bolsonaro e Moro como líderes autoritários. E, para isso, é necessário consolidar na cabeça do eleitor que todo o processo envolvendo a prisão e o impedimento da candidatura de Lula em 2018 foi perseguição política. E que esse processo foi conduzido de maneira autoritária por Sérgio Moro, de forma a beneficiar Jair Bolsonaro. Prova disso foi a ideia de requentar a delação do ex-Ministro da Fazenda Antonio Pallocci falando uma semana para a eleição. É essa a narrativa que a candidatura Lula vai usar para resistir aos ataques que fatalmente virão: Bolsonaro e Moro são representantes do autoritarismo e precisam ser eliminados da cena política.

Essa afirmação de Bolsonaro e Moro como antidemocráticos é importante porque permite o esvaziamento da estratégia usada por Bolsonaro em 2018, em tentar definir a eleição como um confronto entre direita e esquerda. O confronto agora passa a ser entre democracia e autoritarismo. Essa é uma bala de prata que atinge dois objetivos de uma vez só: 1) Deixa Bolsonaro sem argumentos para combater Lula, afinal ele já deu inúmeras demonstrações de autoritarismo; e 2) Esvazia o discurso morista (e de terceira via em geral) de que Bolsonaro e Lula “são duas faces da mesma moeda”. A diferença de Lula para Bolsonaro é que Lula é um democrata e o objetivo de Lula é provar isso durante todo o processo eleitoral.

Aí é que entra o nome de Geraldo Alckmin. O ex governador de São Paulo como vice esvazia o discurso de Bolsonaro (e de Moro, em certa medida) de que estamos diante de uma disputa entre esquerda e direita. Alckmin é um expoente de centro direita com histórico consistente inclusive entre grupos conservadores religiosos. Além disso, é um mestre da pequena política, não se furtando a participar de reuniões infindáveis de articulação regadas a café e conversa. Foi assim que ele conseguiu força para governar São Paulo por quinze anos mesmo sem nunca ter sido um grande “entregador de projetos”. Alckmin segue sendo extremamente influente com os prefeitos do interior paulista, e consegue agregar muita gente em torno de si, com seu jeito pacato de ser, típico de um cidadão do interior de São Paulo.

Tendo Alckmin como vice, Lula consegue argumentar que sua candidatura está aglutinando todos os setores do campo democrático, da direita à esquerda. E, olhando para os demais candidatos, fica difícil contestar. Dória deve ter menos votos do que Alckmin teve em 2018. Ciro Gomes tenta de todas as maneiras manter seu capital eleitoral de 2018, com enormes dificuldades. Os demais candidatos vão se apagando um a um, como que condenados à irrelevância. Partidos como o MDB e o PSD já conversam com Lula por enxergarem a reeleição de Bolsonaro como inviável. A eleição de 2022, para Lula, vai ser a eleição da democracia contra o autoritarismo. Lula, com Alckmin e com um monte de gente junto, será o representante da democracia, aglutinando as forças democráticas que resistem aos esforços autoritários do Bolsonarismo. Bolsonaro e Moro, por sua vez, serão os representantes do autoritarismo, buscando consolidar o projeto de cooptação das instituições que está em curso desde 2018.

Para isso, o discurso de conciliação entre todos aqueles que se consideram democráticos é essencial. É por isso que Lula presta solidariedade a Ciro Gomes quando ele tem a casa invadida pela Polícia Federal ou Haddad e Márcio França trocam afagos quando Haddad é inocentado da acusação de Caixa 2 que pesava sobre ele. Todos os que não estão com Bolsonaro e com Moro podem entrar na confraria dos democratas.

Conclusão

Vai dar certo? é o correto? É impossível até mesmo tentar dar respostas embasadas sobre o tema sem cair no terreno da especulação.

A questão é que a estratégia de Lula está dada. E os indícios nesse sentido são muito fortes. Quando saiu no Correio Braziliense uma reportagem dizendo que Alckmin seria vice de Lula e Haddad seria Senador, Haddad desmentiu apenas a parte relativa a sua candidatura a Senador. Alckmin e Lula não negam a aproximação, mas não vão divulgar a parceria antes da hora certa: além de ser contraproducente do ponto de vista político, facilitando ataques, também seria inconveniente no momento atual, em que a costura de parcerias segue aberta.

Talvez Alckmin nem seja o vice de Lula, no fim das contas (embora Márcio França diga que essa possibilidade é de 99%). Se um nome de consenso como representante da democracia for colocado na mesa e agradar a ambas as partes, pode ser que ele substitua Alckmin, fazendo o governador se voltar para a eleição estadual novamente. Mas é praticamente certo que veremos Lula, Alckmin, Márcio França e Fernando Haddad no mesmo palanque no ano que vem. E esse palanque terá mais um monte de gente de todas as correntes ideológicas possíveis, de Guilherme Boulos a Renan Calheiros, porque o objetivo da provável candidatura de Lula é reunir todas as forças que ele considera democráticas no país contra o projeto autoritário encampado, em diferentes roupagens, por Bolsonaro e por Moro.

Texto publicado originalmente no site ‘Nada Novo no Front

 

* O Cafezinho

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