Os números principais da pesquisa Quaest são esses: no cenário expandido, com mais candidatos, que aparentemente é o mais provável, Lula lidera com 46%, seguido de Bolsonaro, 23%, Moro 10%, e Ciro 5%.
O fator que mais chama atenção é o esvaziamento súbito de Ciro Gomes, que vinha mantendo, antes da chegada de Moro, uma posição confortável de nome mais forte da terceira via.
Na live em que analisou a pesquisa, Felipe Nunes, CEO da Quaest, revelou que uma das questões apresentadas aos entrevistados explicam porque, em suas palavras, “Ciro foi desaparecendo”.
Nunes qualifica Ciro de “fraco”, no sentido de que sua candidatura ficou demasiadamente amarrada à uma “admiração pessoal do eleitor”, com pouca associação a um “projeto” ou “conteúdo programático”.
É uma situação irônica, porque a campanha de Ciro sempre procurou se vender como a única que possui um “projeto”. O candidato publicou um livro para reforçar essa imagem, e vive repetindo, em entrevistas, que o desafio do Brasil não é eleger “João, Maria ou Manoel”, e sim mudar o regime econômico e a governança política, ainda extremamente submissos a dogmas neoliberais arcaicos e antipopulares.
Entretanto, os eleitores diferenciam projeto de palavrório, e o fato concreto, agora demonstrado em pesquisa, segundo Felipe Nunes, é que Ciro Gomes não conseguiu associar sua candidatura a um projeto nacional.
Os outros candidatos tem tido mais sucesso nesse quesito.
Mesmo João Dória, que apresenta números pífios nas pesquisas, é associado a um programa, que seria levar adiante reformas liberais, além de ser visto como um dos responsáveis pelo sucesso da vacinação no país.
Lula também representa projetos: ampliação de programas sociais, recuperação de salários e empregos, investimentos públicos, volta a um tempo de bonança econômica (picanha, cerveja e viagens).
Sergio Moro é associado (mesmo que por razões equivocadas) à luta contra a corrupção, e também a reformas liberais.
Bolsonaro simboliza o projeto conservador, os valores da família, tradição e propriedade, a militarização da educação e de toda a ordem social.
Essa fragilidade de Ciro Gomes também deve ser atribuída aos erros de sua estratégia eleitoral.
Ao ir para o tudo ou nada, Ciro acabou com nada.
Nassif, que entrevistei nesta quarta-feira, no programa que ancoro na Revista Forum, observou que o principal erro de Ciro foi achar que poderia ser o candidato do antilulismo, esquecendo que, para isso, seria preciso abraçar o pacote completo: ou seja, defender as reformas liberais e antipopulares que integram o núcleo ideológico do antilulismo.
Como não fez isso, e como seu nome era, desde sempre, associado à esquerda, ele se viu diante de uma crise de identidade: perdeu apoio na esquerda, que se afastou dele por não concordar com o tom e a linguagem usados em seus ataques ao PT e a Lula, e perdeu apoio na direita, que nunca viu autenticidade nesse antipetismo súbito de Ciro, além da desconfiança de que tudo se tratava de uma estratégia puramente eleitoral, maquiavélica, para emplacar um programa econômico intervencionista ao qual ela – a direita – tem horror absoluto.
O caso de Moro é inteiramente distinto. Ele representa o pacote completo do antilulista: conservador nos costumes, liberal na economia, amigo da mídia, e ainda tem a vantagem de posar, melhor que ninguém, de “outsider”, ou seja, de alguém de fora do mundo político.
Jairo Nicolau, que também participou da live da Quaest, afirmou que”Moro é outsider da política que Bolsonaro fingiu ser em 2018″.
Entretanto, Nicolau disse não ver muito espaço para Moro crescer e passar de 15% ou 20%. “Essa hipótese é muito pouco provável. Ele começa bem, mas não vejo futuro”.
O economista-chefe da Genial, José Marcio Camargo, que participa da mesma live, disse que o desafio de Moro é sair do “nicho” de um eleitorado temático, interessado na luta contra a corrupção.
Nicolau analisou ainda que, ao contrário do que se esperava; de que a temperatura eleitoral fosse esquentar apenas a partir de março ou abril do ano que vem; ou mesmo mais tarde, “houve antecipação do jogo eleitoral”. Ele acha que a eleição de 2022 será a mais longa da nossa história. “Teremos um ano de campanha”.
Nicolau aposta que Doria pode ganhar alguns pontos nos próximos meses, em virtude da gigantesca estrutura política que lidera, como governador de São Paulo. Lembrou que, em breve, surgirão os candidatos pequenos, como Cabo Daciolo, que pode chegar a dois pontos.
Quanto a possibilidade do Auxílio Brasil ajudar Bolsonaro a penetrar no Nordeste, Nicolau considera que isso é difícil acontecer, pois até o momento o presidente foi incapaz de ampliar sua aprovação na região.
O principal desafio de Bolsonaro, para Nicolau; é recuperar onde ele foi bem em 2018; especialmente nas periferias urbanas, ou seja, junto aos “pobres urbanos”.
Nicolau observou que o “desempenho impressionante” de Lula nas pesquisas não tem paralelo com momentos anteriores do petista. Ele não tinha um patamar tão sólido em 2002 ou 2006. A razão desse força, segundo ele, é porque Lula está “praticamente solitário” junto aos eleitores de baixa renda.
E adianta um dado que não consta no relatório divulgado hoje. Nicolau diz que Lula tem hoje cerca de dois terços dos votos do eleitor menos escolarizado e com renda familiar inferior a dois salários, contra 20% de Bolsonaro, ou seja, Lula tem o triplo de votos em Bolsonaro junto a uma fatia que corresponde a metade do eleitorado brasileiro.
Entre eleitores com escolaridade média, Lula lidera, mas com vantagem bem menor em relação a Bolsonaro. Já entre os eleitores com ensino superior, há empate entre Lula e Bolsonaro, com Moro logo atrás.
Se Bolsonaro não recuperar o voto dos eleitores da periferia; “um abraço”, diz Nicolau, acrescentando que esse é um eleitor mais volátil; mais disposto a mudar de voto, ao contrário do eleitor mais escolarizado; pertencente a uma elite, que já formou sua opinião e dificilmente irá mudar seu voto.
A íntegra da pesquisa pode ser baixada aqui.
(Texto originalmente publicado em O CAFÉZINHO)