O risco de calote por parte da construtora chinesa Evergrande neste final de mês de Setembro elevou a temperatura na economia global e testou os nervos do mercado financeiro. O risco de colapso da segunda maior construtora da China levou bolsas de valores de todo o Mundo registrarem fortes quedas no dia 20 de Setembro, com o preço do minério de ferro sendo negociado abaixo de US$ 100. Entretanto, tão logo os dias seguintes transcorreram e o súbito medo foi substituído por cautela e até certa calma diante dos anúncios de que o governo chinês tomaria as rédeas da situação. Um acordo no dia 23 de setembro fez com que o noticiário catastrófico na grande imprensa mundial fosse rapidamente aquietado, em parte porque o prolongado pânico poderia acelerar a crise num efeito dominó e em outra parte porque um resgate do Estado salvava mais uma vez a pele de empresários e especuladores. A Evergrande foi fracionada em três empresas menores agora estatizadas. Esta última situação por si só desmente toda e qualquer dobra na aposta mitológica defendida até pouco tempo atrás por economistas neoliberais que alegam na arena propagandística que deve haver “menor presença do Estado” na Economia. Não nos surpreendamos que sejam eles próprios que respiram aliviados quando o Estado anuncia que conterá a sangria de uma empresa capitalista.
Mais do que ninguém, estes economistas sabem que é o Estado que salva a pele das instabilidades fatais do sistema liberal – tem sido assim desde ao menos a crise dos monopólios do século XIX. Entretanto, não é raro vermos mantras “semi-religiosos” que tentam enganar os mais jovens que não possuem discernimento nem de Economia e nem de Estado quando dizem que o “Neoliberalismo” é bom, justo e eficiente e que o Estado é um obstáculo. Com esta falsa e inexistente contenda entre “Anarco-capitalismo” e Estado, variados segmentos políticos oportunistas mantém uma boa parte da população à margem do verdadeiro saque e roubo que a massa de trabalhadores (assalariados ou não) sofre em escala global por meio de governos associados ao mercado financeiro que, como parasitas, sugam a renda da classe trabalhadora mundial e, para mascarar tal crime criam e recriam bodes expiatórios imaginários.
Em que pese a tranquilidade de que as irresponsabilidades da Evergrande seriam “disciplinadas” pelo Partido Comunista Chinês, o problema de colapso econômico mundial ainda está muito longe de ser afastado. A Evergrande até pode ser salva (uma missão delicadíssima) mas ela mostrou um dado que até então não se fazia tão evidente a não ser em determinados círculos de analistas especializados, a brutal queda no consumo. Se a China que produziu a maior classe média consumidora do Planeta Terra nos últimos quinze anos enfrenta um grave gargalo nos indicadores de consumo, o que dirá de outras partes do Mundo que não efetivaram o feito de criar uma pujante classe de consumidores na escala dos bilhões? É certo que nos últimos tempos as crises financeiras estão pipocando em grande parte no setor da construção civil – em grande medida por esta sempre receber fortes e volumosos investimentos que nem sempre se realizam por completo no consumo, entretanto, em diversos países do Mundo o ciclo de produção, circulação e consumo está passando por uma grande instabilidade e não afeta apenas a construção civil.
A crise implica na redução de consumo em todos os setores econômicos em grande medida porque tanto nos países desenvolvidos quanto emergentes e subdesenvolvidos as políticas de austeridade estão sendo adotadas em nome de uma suposta salvação do imaginário “equilíbrio” fiscal que nada mais, nada menos significa garantir que as taxas médias de lucros dos grandes capitalistas sejam recuperadas a partir de reformas trabalhistas, previdenciárias e administrativas. O objetivo é circunscrever um controle mais incisivo sobre o Capital-Trabalho. Esta recuperação nos lucros na atual fase do sistema não é garantida sem que a exploração do trabalho atinja níveis aceitáveis. Níveis “aceitáveis” devem ser lidos aqui do ponto de vista dos capitalistas que desejam avançar em acordos de trabalho compatíveis com as barbaridades da 1ª Revolução Industrial. Este grau de retrocesso, em plena era digital é o mais próximo que se tem do apocalipse social. As medidas que estão avançando, de forma problemática e, em muitos casos com uso de ilegalidades e manobras imorais como é o emblemático caso do Brasil que viu em 2016 uma ruptura da ordem política vigente até então através de uma articulação sofisticada de Golpe de Estado seguido de fraude eleitoral em 2018. Estas manobras prometiam garantir um rumo novo para o Capitalismo periférico do Brasil sem que isso soasse necessariamente uma malandra e violenta ruptura. O uso ostensivo de propaganda dos grandes veículos de Comunicação associados aos bandidos tradicionais do Congresso Nacional se deram numa forma que objetivasse mudanças graves no acordo político e econômico do país sem que isso implicasse numa nova Constituição. Do ponto de vista da bandidagem política brasileira, articulações bem feitas colocam a Constituição de 88 de joelhos facilmente e esta vem sendo perfeitamente alterada explorando-se das fragilidades históricas do sistema político brasileiro e também da falta de instrução do grosso da população brasileira que não consegue entender o jogo desempenhado pelos grandes veículos de comunicação – totalmente imbricados num aparato de manipulação. Sem estas manobras, não seria possível estabelecer os rumos econômicas que se almejam para este canto do Mundo rico em reservas naturais e com uma numerosa população que serve de exército de reserva de trabalhadores desumanizados.
O problema destas políticas de austeridade é que elas provocam austericídio. Um remédio que de tão amargo acelera a própria decadência do sistema. Depositar a crise na conta da classe trabalhadora resulta em desemprego em massa e os poucos inseridos no mercado de trabalho, com salários mais baixos e receosos de demissão (uma vez que se veem constantemente ameaçados) abala a confiança do trabalhador enquanto consumidor também. Em média, ao invés de se comprometer com um consumo mais expressivo, o trabalhador passa a reduzir suas despesas e a se proteger das incertezas. Quando a solução é o mercado informal de trabalho onde os rendimentos são miseráveis, o trabalhador não consome mais do que o necessário pra sua sobrevivência diária. Este quadro corrói toda a economia interna do país com a quebra de diversas empresas pequenas e médias que veem seus negócios definharem já que sua clientela evaporou. A pandemia do Novo Coronavírus inclusive desempenhou um papel ainda mais dramático nesta esta situação. O setor que mais sai prejudicado é o Setor secundário que engloba, em grande parte também, o ramo da Construção Civil.
Esta é, sem sombra de dúvidas, mais uma tradicional crise de superprodução de Capital onde a capacidade produtiva do sistema dobra mas de forma totalmente desproporcional a realização desta produção em consumo e distribuição de renda. As ações das empresas de Capital aberto também passam a perder investimentos quando comprovada a sua incapacidade de gerar crescimento econômico real. A quebradeira que se segue beneficia as grandes corporações que engolem toda a concorrência e ampliam ainda mais esta situação indigesta e desequilibrada do Capital que passa a ser controlado cada vez mais e mais por grandes porém reduzidos monopólios. A pobreza se multiplica em escalas cada vez mais inéditas. Os miseráveis tornam-se cada vez mais miseráveis e as estratificações médias veem sua situação de vida rapidamente definhar. A situação da Evergrande é apenas um sintoma de algo muito maior. Não é à toa que muitos especialistas da área da Construção Civil relacionam a crise da Evergrande com uma crise do setor da construção civil no seu geral. Na realidade, a situação de Evergrande denuncia uma descendente econômica generalizada. É necessário pensar para além das decisões de curto prazo. A Evergrande pode ser salva? Certamente sim, mas a Evergrande não é a detentora do problema geral. O Neoliberalismo colapsou e irá colapsar mais uma vez, o que farão as autoridades diante dessa marcha da insensatez que só beneficia uma ínfima parte da população global?
jorge jose da silva
setembro 27, 2021 at 8:28 amHavemos em considerar AINDA que, sistematicamente, os negócios americanos vêm atacando e ‘sancionando’ os chineses. Face as vigorosas perdas para as empresas da China!