Amilton Gomes criou ONG humanitária que usou indevidamente marcas da OAB e CNJ e buscou articular encontros desde o presidente da República a políticos e empresários do DF.
Agência Pública – A presença do presidente Jair Bolsonaro era a promessa mais grandiosa para a inauguração da Embaixada Humanitária pela Paz, na manhã do dia 24 de outubro de 2019. Apesar do compromisso nunca ter constado na agenda oficial da presidência, o anfitrião da festa, o reverendo Amilton Gomes de Paula, informou a alguns presentes que a ida era certa, conforme apurou a Agência Pública com pessoas que participaram do evento. No entanto, uma viagem de última hora teria atrapalhado os planos do religioso de receber o comandante da nação, ao menos segundo o que foi dito a alguns convidados. Dias antes, Bolsonaro havia partido para o exterior, numa viagem oficial que chegaria à China e ao Japão.
A ausência do presidente da República, apesar de lamentada, não impediu que Amilton conseguisse reunir, a portas fechadas, um grupo de empresários e políticos com influência no Distrito Federal. Em uma sala espaçosa e regada a salgadinhos, o grupo de homens teria discutido projetos e parcerias entre o poder público, empresas privadas e organizações não governamentais, um feito alcançado graças à capacidade de intermediação do reverendo. E foi justamente esta habilidade do religioso de mediar interesses que, em 2021, alçaria Amilton Gomes nacionalmente: reportagens revelaram que ele atuou para reunir no Ministério da Saúde suspeitos representantes da Davati Medical Supply, em uma negociata paralela de vacinas.
Na expectativa de receber Jair Bolsonaro na inauguração da embaixada, o reverendo organizou uma exposição com a pintura do rosto do presidente ao lado da sua, num dos amplos halls de paredes brancas. O local, a partir daquele dia, serviria de sede para a sua organização, também conhecida como Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários — a Senah. Os retratos são assinados pela artista plástica Ray di Castro. Ao justificar sua obra, ela disse que “o presidente Bolsonaro está apoiando totalmente [o projeto da Embaixada Mundial pela Paz]”.
Artista pintou retratos do reverendo e do presidente Jair Bolsonaro, que foram colocadas em exposição no hall da embaixada
A homenagem a Bolsonaro não se deteve apenas às pinturas. Uma das mais contundentes veio na fala do deputado distrital Iolando Almeida, militar reformado da Força Aérea Brasileira (FAB) eleito pelo Partido Social Cristão (PSC) no Distrito Federal. “Quero parabenizar a iniciativa do nosso presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, pelo compromisso em proclamar a paz em toda a esfera nacional”, disse ao abrir as falas das muitas figuras políticas agraciadas no evento com o diploma de “embaixador da paz”, uma honraria sem valor oficial concedida pelo reverendo.
Além do deputado cristão, outras figuras políticas e religiosas discursaram a favor do projeto de Amilton. O secretário de Ciência e Tecnologia do Distrito Federal, Gilvan Máximo, afirmou que “o governo do DF estará apoiando incondicionalmente a Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos”. Ele foi seguido pelo embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, e depois, por Ney Robson, então administrador regional do município de Águas Claras, igualmente em falas que parabenizaram a Senah e apoiaram, genericamente, a paz mundial.
Ao menos pela cerimônia, que contou com coral juvenil das Forças Armadas e muitas menções à Israel, tudo parecia certo para que o prédio em Águas Claras, cidade satélite de Brasília, funcionasse anos a fio como a sede da aparentemente renomada Senah — em um vídeo institucional, a organização é apresentada como o maior projeto de humanização do mundo. Contudo, o destino do local foi bastante diferente.
Inaugurada com pompa, embaixada está vazia, recebeu festa e tem relações com programa do governo do DF
Reportagem foi ao prédio da embaixada, que hoje está vazio, com placa de casa noturna e um banner de programa do governo distrital
Neste mês de julho, menos de dois anos após a inauguração, a Pública foi até o imóvel — registrado como sede da Senah na Receita Federal — e encontrou portas fechadas, sem nenhuma referência à organização. Em conversa com vizinhos, eles contaram que o prédio “fica sempre fechado”. Uma mulher que mora ao lado disse que, desde a grande festa, ocorreram dois eventos: de uma igreja evangélica e um baile funk.
De fato, no prédio, há uma placa do Madi’s Lounge Club, uma casa noturna que realizou sua festa de inauguração em dezembro do ano passado. O evento teve ao menos cinco DJs e ingressos vendidos online por R$ 20 a R$ 50 reais. A reportagem retornou hoje (02/08) ao local e um homem que arrumava o jardim da frente afirmou que estava prestando o serviço para “a nova administração”. Ele contou que havia começado nesta semana o trabalho para a Madi’s e que no espaço “vai funcionar um salão de eventos”.
*Agência Pública