Médico, o integrante da CPI da Covid classifica de ‘irresponsabilidade criminosa’ a atitude do governo federal e diz acreditar que CPI terá consequências concretas.
O Globo – Médico e integrante da CPI da Covid, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirma que o governo federal atuou com “irresponsabilidade criminosa” ao insistir na recomendação de medicamentos ineficazes, como a cloroquina, no tratamento da Covid-19. O parlamentar também considera que os sucessivos entraves para a compra de vacinas evidenciam que o presidente Jair Bolsonaro apostou na tese da imunidade de rebanho, em que a criação de defesas naturais em um elevado número de contaminados reduziria a circulação do vírus.
Quais as informações mais importantes entre as que chegaram à CPI?
Tudo indica que Bolsonaro jogou com essa possibilidade da imunidade de rebanho, que é uma coisa criminosa. Por isso, ele descartou a vacina no ano passado, ironizou a CoronaVac, criou dificuldades diplomáticas com a China e apostou em medicações que não foram comprovadas, que não tinham nenhum efeito relacionado à doença. O depoimento de Dimas Covas, do Butantan, mostrou que a prioridade do governo federal e do Ministério da Saúde na gestão (do ex-ministro Eduardo) Pazuello nunca foi vacinar.
Como avalia a recomendação da hidroxicloroquina, comprovadamente ineficaz?
Ainda não há no mundo um medicamento para a cura da doença. Se existir amanhã, não vai ser um remédio para protozoário (como a cloroquina), vai ser um antiviral. Mas eles (bolsonaristas) sempre procuram confundir a população de forma irresponsável. Semana passada, tentaram desqualificar a vacina, dizendo que pessoas que tomaram a vacina morreram. E o que é que vai acontecer com isso? Algumas pessoas vão achar que não devem tomar a vacina. É de uma irresponsabilidade criminosa.
Já há elementos para responsabilizar o presidente?
Avançamos muito nisso, sobretudo com uma declaração da doutora Mayra Pinheiro (secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde). Em um vídeo, ela fala em imunidade de rebanho das pessoas. Fala das pessoas, depois tenta consertar e diz que falou das crianças. E ela era até hoje a principal interlocutora do presidente da República. É uma confissão de culpa.
Mas já há indício que ligue diretamente o presidente à tese da imunidade de rebanho?
Sim, o negacionismo da vacina. Se ele não queria a vacina lá no ano passado, e a vacinação poderia ter começado em dezembro, é porque esperava que houvesse imunidade e rebanho. Eu tenho a gravação do presidente da República dizendo no final do ano passado que o vírus estava indo embora, porque as pessoas estavam imunizadas. São várias gravações nesse sentido.
Alguns senadores afirmam que o que ocorreu em Manaus, com estímulo ao uso da cloroquina, foi um experimento para provar essa tese. Qual a sua opinião?
O governo mandou a Mayra Pinheiro e o Pazuello para Manaus. Essa falta de provisionamento de oxigênio não foi feita exatamente porque eles achavam que a população ia desenvolver imunidade à doença e não haveria mais mortes. Mas aí veio o ponto mais grave da doença no Brasil, a variante P.1, que se dissemina com mais facilidade e é mais letal. Então, o tiro saiu pela culatra, mas eles jogaram o tempo inteiro com essa possibilidade. Não tenho dúvida sobre a ação do ministro da Saúde nesse período. Ele pecou por ação, porque a ação foi errada, o uso do tratamento precoce. E por omissão, por não comprar as vacinas, seguindo a orientação do presidente Jair Bolsonaro.
Haverá consequências concretas para o presidente Bolsonaro e para Pazuello?
Pelos elementos que nós temos até agora, só elementos preliminares, a minha conclusão é que, entre esses membros do governo, alguns têm muita culpa nas quase 500 mil mortes que estão verificadas no Brasil. Alguém tem que pagar por essa falta de uma ação de saúde qualificada, sintonizada com o que prescrevem as orientações médicas e sanitárias. Não pode ficar impune. A não ser que a legislação não seja cumprida no Brasil e também não seja cumprida a nível internacional.
A convocação de governadores desvia o foco da CPI?
Isso é fruto da pressão que senadores como Eduardo Girão, Ciro Nogueira e Marcos Rogério, dentro do grupo da CPI, fizeram na tentativa de de verificar a aplicação dos recursos enviados para estados e municípios. Não tem como também não deixar de de se verificar isso. Acho que a verificação dos recursos federais, voluntários, que foram repassados para o combate à Covid, não podem deixar de ser fiscalizados, apurados, porque me parece que em alguns estados a aplicação foi incorreta.
Existe uma divisão no G7?
Não. É um pequeno desentendimento que já foi contornado.
*Julia Lindner/O Globo