O que ficou claro na operação da polícia no Jacarezinho, é que quem mora em favela e, sobretudo se for negro, não é um cidadão, ou seja, não é um indivíduo dotado de direitos que lhe permitem, inclusive, afrontar o Estado.
Não entenda isso como uma cidadania capaz de trocar tiros com a polícia, até porque a cada momento que passa, revela-se que a operação não foi destinada a reprimir apenas os supostos criminosos, mas os moradores da favela de maneira generalizada, deixando claro que eles não são cidadãos e que, portanto, não têm direitos e precisava deixar isso claro humilhando toda a comunidade.
Por isso houve um maciço apoio da classe média e, consequentemente de Bolsonaro, principal representante do ódio que as classes média e alta têm das camadas mais pobres da população, justamente porque a nossa classe média nunca se preocupou com direitos, mas com privilégios. Isso tem uma explicação simples, inclusive no processo de destruição da democracia, porque a democracia amplia a prerrogativa da cidadania, consequentemente, a destruição dela é o preço que essa classe paga para impedir a difusão de direitos para a população como um todo, inclusive quem mora em favela.
Como a classe média se construiu na base dos privilégios e não dos direitos, ele sempre tentará impedir aos demais brasileiros mais pobres que tenham direitos.
Por isso, no Brasil, quase não há cidadãos, porque a classe média não tem interesse em direitos, ao mesmo tempo em que não quer que os pobres sejam cidadãos, a começar pelos negros. Como essa classe média está no primeiro plano do consumo, a grande mídia faz sua pauta a partir do que pensa essa classe para manter esse consumidor preso à programação e, com isso, poder vender aos anunciantes essa clientela.
Não é por acaso que na mídia não há debate sobre cidadania, porque os objetivos estão direcionados à individualidade para atender aos propósitos comerciais do mercado.
Então, o pensamento é localizado e a ação é decorrente desse pensamento, porque, no final das contas, é a capacidade de consumo de determinado grupo social que define qual a percepção que a classe média terá em determinada programação.
O mesmo pode ser dito das revistonas, como a Veja que, em tese, não faz parte da chamada comunicação de massa, mas que sempre usou o ódio para atrair a sua clientela de assinantes e, nesse caso, ela vende dois produtos para a mesma classe média, o primeiro, a própria revista e quanto mais vendida na banca ou por assinatura, mais caro ela cobra do anunciante para ter aquela clientela na difusão de seus produtos.
Então, buscou-se uma lógica simples, uma espécie de operação Mainardi, a de fabricar ódio com instrução superior da revista para atender às estratégias dos negócios da Veja. O próprio Civita confessou que o público da Veja gosta desse tipo de baixeza.
Ou seja, não é exatamente uma escolha jornalística, mas uma imposição dos consumidores das classes média e alta, os mesmos que não só fazem vista grossa para todos os crimes de responsabilidade, corrupção e contravenção, dos quais o governo é constantemente acusado, porque não há o menor interessa dessa parcela da sociedade em buscar um grau de consciência a partir de uma informação qualificada, um debate profundo.
O que quer essa classe média que consome a revista, é que ela seja uma das centrais do preconceito, do racismo e da discriminação para que essa questão de cidadania seja mutilada de imediato de forma objetiva e, com isso, não seja possível abrir um debate sobre o assunto.
A classe média brasileira, em última análise, acredita numa sociedade que viva constantemente em disputa entre si, sem qualquer consciência de fraternidade, comunidade e, consequentemente de país, porque é essa a percepção que ela tem da própria vida, já que não tem interesse na coletividade, porque não tem a menor ideia de sua própria identidade.
Por isso o modelo cívico brasileiro, que é herdado da escravidão, é o modelo cívico-cultural, o modelo cívico-político que marca não só os espíritos do cidadão médio, mas como ele enxerga o próprio território dentro do país a partir de suas relações sociais, porque no fundo é um modelo cívico absolutamente subordinado à economia de mercado.
Por isso, tragédias como essa que vivemos, seja pelo morticínio promovido pelo governo Bolsonaro, seja pelo apoio do presidente da República e seu vice, ao massacre que ocorreu no Jacarezinho, tem total apoio das classes média e alta que sempre colocarão venda nos olhos para que os pobres e negros sigam sem direito à cidadania e que elas mantenham seus privilégios em decorrência dessa desnaturalização da democracia.
Isso explica bem o ódio dessa gente a Lula e ao PT que, durante seus 12 anos de governo, incluiu socialmente grande parte das camadas mais pobres da população.
*Carlos Henrique Machado Freitas