Lira não tem como negar os fatos, já Calheiros tem de sobra material produzido pelo próprio Bolsonaro contra si.
A prepotência de Bolsonaro é que vai derrubá-lo, não Renan Calheiros, o relator vai apenas apresentar fatos pra lá de conhecidos da sociedade, de forma sequencial e com um histórico mais detalhado dos bastidores de determinadas decisões políticas que associam Bolsonaro ao morticínio.
Que fique claro, teremos um enredo de como se arquitetou determinada decisão, não a decisão em si que foi explícita e está fartamente documentada em vídeos, declarações e, sobretudo na prática com a negação da gravidade do vírus, de sua letalidade, de sua capacidade de contágio, enfim, de tudo aquilo que os cientistas diuturnamente falam na mídia, que diga-se de passagem, teve papel relevante para não transformar a tragédia negacionista de Bolsonaro em uma tragédia com consequências inimagináveis.
Uma das mais graves atitudes de Bolsonaro é ter tratado os cientistas e a ciência como opositores políticos, sem a menor capacidade de discutir ciência. Tudo foi feito na base da prepotência e do risco que quis correr de produzir, como produziu, centenas de milhares de mortes por pura estratégia política que, até hoje, ninguém entendeu que cálculo político é esse adotado por Bolsonaro, já que, se estava mesmo preocupado com a economia e não com as vidas, a primeira coisa que deveria fazer, se negava o lockdown para não parar os negócios que ele julgava piorariam o já combalido programa econômico de seu governo por incapacidade de Guedes, as medidas de prevenção básicas como uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social, foram mais do que ignoradas, foram atacadas por ele. Isso gerou o que tem de pior em termos de tragédia humana.
Como Lira vai ignorar isso? Ele não tem o poder de apagar o que está fartamente registrado na história recente, para tanto, basta dar um Google para chegar em todas as declarações de Bolsonaro, dá para ficar vários dias assistindo às sandices criminosas e, ainda assim, não conseguirá ver todas as que ele usou para insuflar o seu negacionismo milimetricamente pensado. Claro, sem falar na rede de fake news comandada pelo gabinete do ódio nas redes sociais, mas também por programas regulares como Pingo nos Is e congêneres, regiamente patrocinado pela Secom através de empresas de mídia com contratos milionários.
Então, o que Renan terá que fazer, e já está fazendo, é convocar os ministros para relatarem os bastidores dessa receita trágica comandada por Bolsonaro.
Mas é bom deixar claro que nem isso é tão mais potente contra Bolsonaro do que o farto material produzido por ele atacando a ciência numa associação criminosa com o coronavírus.
Renan Calheiros, certamente, com sua longa experiência no Senado, fará um relatório baseado em provas cabais de fatos protagonizados por Bolsonaro e testemunhos de inúmeros personagens chave que tiveram, de alguma forma, ligação com o governo e que podem sim, com a autoridade de quem participou como testemunha ocular de um pensamento trescloucado de um presidente que jamais negou o seu negacionismo, assumindo integralmente seu nado de afogado contra a correnteza mundial, inclusive na crença destrambelhada da tal imunidade de rebanho que, a princípio, era o ponto central do seu pensamento, ao estilo, morra quem tiver que morrer e salve-se quem puder.
Como Lira vai frear isso? Nem se ele negasse a existência de Bolsonaro e da cloroquina. Lira pode muito, mas não pode tudo como presidente da Câmara, pelo que se sabe dele até aqui, não tem capacidade para produzir milagres. Na verdade, nem ele e nem Renan são capazes de inventar fatos que não estejam amparados por robustas provas materiais.
Assim, quando a bola da CPI da Covid rolar de fato, será possível afirmar com todas as letras que é o começo, o meio e o fim do governo Bolsonaro, porque se essa pilha de crimes não chegar ao impeachment, nenhum crime mais no Brasil será suficiente para cassar o mandato de um presidente da República.
*Carlos Henrique Machado Freitas