O livro do Intercept sobre a Lava Jato, de Letícia Duarte, traz duas reportagens inéditas: uma sobre as relações dos procuradores com a Globo, outra sobre o dia da condução coercitiva de Lula.
Quem aparece muito nos diálogos do Telegram é o repórter Vladimir Netto, do Jornal Nacional, responsável por vários “furos” que lhe foram passados pela República de Curitiba.
Além dele, surge um dos donos da emissora, João Roberto Marinho.
Reproduzo nesta resenha alguns dos colóquios retirados da obra.
O chefe da força tarefa já privilegiava a Globo em relação ao resto da mídia e queria vender suas dez medidas contra a corrupção com vistas, entre outras coisas, a uma carreira política.
Em novembro de 2015, Deltan se encontrou com João Roberto, presidente do Conselho Editorial.
Ele menciona no aplicativo um “encontro mais reservado”, “bem restrito”, com o chefão da imprensa em evento da FGV. Pede ao grupo para manter “sigilo”.
Requer também à equipe: “Queria falar com Merval Pereira”. O almoço marcado com João Roberto tem como objetivo conseguir o “apoio da Globo”.
Eles se reúnem no dia 25 de novembro na casa de Joaquim Falcão, professor da FGV e amigo da família.
Segundo DD, João Roberto prometeu “abrir espaço de publicidade na Globo gratuitamente”. Um editorial apoiando a Lava Jato seria publicado logo depois.
Dallagnol e João Roberto Marinho criaram uma proximidade daí em diante. Numa demonstração de poder e influência, DD passa a Janot o telefone de JRM.
“O arquivo da Vaza Jato mostra que a forca tarefa antecipava informações para jornalistas da emissora e dava dicas sobre como achar detalhes quentes nas denúncias”, lê-se.
Dallagnol pedia dicas aos profissionais globais.
Incomodado com as críticas à condução coercitiva de Lula em março de 2016, recorreu a Vladimir.
O filho de Míriam Leitão é autor de uma hagiografia de Moro, que abrilhantou o lançamento com sua presença na capital do Paraná.
“Lava Jato – O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil” vendeu mais de 200 mil exemplares.
Serviu de base para a série “O Mecanismo”, de José Padilha, nossa Leni Riefenstahl, a cineasta do nazismo.
Vladimir escreve que Moro exibe “rigor e coragem”, conduz tudo “com maestria”, “trabalha com afinco em busca de resultados”, é “um excelente pai”, “trocava fraldas, acordava à noite quando a bebê chorava e cuidava do umbigo da menina.”
Os papos entre Dallagnol e Vladimir vão de 2014 a 2019 e enchem “35 páginas de livro”.
Vladimir sugeriu-lhes não emitissem nota sobre a coercitiva de Lula. “Não vejo o que vocês poderiam ganhar com isso”, escreveu no Telegram.
O comunicado acabou sendo produzido — com a consultoria de Vladimir. Dallagnol afirma que “ficou boa parte do começo, mas com base em seu olhar tiram 2 itens inteiros”.
“Fico feliz em ajudar”, diz o jornalista. “Já soltaram a nota? Ainda dá tempo de sair no JN”.
Dallagnol também arrumou para Janot uma reportagem no Fantástico para mitigar o efeito da prisão de um procurador.
“Seria bem positiva uma entrevista sua. Fica para você avaliar”, diz ao então PGR.
Vladimir Netto foi ouvido pelos autores sobre seu relacionamento com Deltan Dallagnol. Negou tudo.
“Não reconheço esses diálogos. Eles não aconteceram, não são verdadeiros”, declara. “Não mantenho relação de amizade e nem tenho ‘intimidade’ com nenhuma fonte”.
Seu patrão, no entanto, admite que se encontrou com Dallagnol, mas nega que a Globo tenha sido “privilegiada”.
*Com informações do DCM