As eleições gerais norte-americanas de 2020 representaram uma mistificação do Mundo como poucas vezes na História humana se viu. Nela, um curso completo de “Dialética do Esclarecimento” de Theodor Adorno e Max Horkheimer. A certeza que temos é que se alguém quer compreender a forma como o Grande Capital manipula o imaginário popular em escala planetária, o ano de 2020 certamente deverá constar nesta literatura da Filosofia Política. O cenário de mistificação da realidade deixaria Ludwig Feuerbach estupefato! O imaginário coletivo se deu de forma tão engenhosa que a Direta Neoliberal conseguiu, ainda que por um intervalo de tempo curto e com muitas dificuldades, transmitir a falsa ideia de que seria “humanitária”, “progressista” e até “socialista” – numa jogada casada com amplos setores de Wall Street, instituições financeiras internacionais e o pool da grande mídia global. O adversário não poderia ser também alguém melhor para tal, Donald Trump – uma figura escatológica e grotesca que só poderia ter sido o resultado da decadência econômica, moral, ética e social do Sistema-Mundo irracional que temos tido a infelicidade de testemunhar desde o acirramento da Crise Capitalista Global.
Apesar de Trump ser o bode expiatório ideal, que todo “bom moço” ou “boa moça” quer polarizar, a disputa não foi tão fácil e simples assim como o imaginado anteriormente. Isso indica que, mesmo num cenário de tentativa de neutralização dos ânimos, a Crise do Imperialismo e a Crise do Capital ainda estão muito longe de um desfecho. Assim que a temperatura do Halloween eleitoral norte-americano diminuir, a tendência é que um balde de água fria caia na cabeça de todos. E quando digo todos, não me refiro à população americana apenas. O mundo deve temer o retorno dos Democratas. Se quiséssemos fazer uma análise apenas com base no noticiário dos tempos de Obama, já temos um volume de dados suficiente para ficarmos preocupados. O governo de Obama foi marcado por uma agressividade global mais profunda que a própria era de George W. Bush dos Republicanos. E não é a toa, os Democratas apresentam o plano de dominação mais sofisticado e perigoso.
Vamos para os dados que uma boa parte dos jornalistas não te falam e nunca te falarão na Grande Imprensa:
Nº 1: Os Democratas hoje representam a ala mais profundamente imbricada com Wall Street que por sua vez entrou em desespero – sobretudo a partir de 2008 – para aplicar os mecanismos parasitários do Capital financeiro com maior força. Os entes parasitários do Grande Capital acreditam que a superação da Crise do sistema e do Imperialismo de conjunto só podem ser alcançados dobrando a aposta na aceleração do Capital financeiro e de maior dominância norte-americana “overseas”, ou seja, internacional. O objetivo é levar adianta as políticas que tenham êxito na criação de uma disfarçada ditadura militar, jurídica, financeira e cultural.
Para quem não sabe, Wall Street é hoje o símbolo máximo da degradação do Capital financeiro internacional e busca recuperar sua ascendência na Economia Global às custas da maior superexploração de uma camada trabalhadora em escala global. Articulam think tanks em todos os quadrantes do Planeta onde conseguem se infiltrar, com amplo uso de cooptação de juízes, promotores, empresários, congressistas, jornalistas e etc. Empurram as legislações das mais variadas nações Mundo afora em torno de reformas da previdência, arrochos salariais, privatizações desenfreadas, diminuição de direitos: tudo em nome da suposta “saúde fiscal”, um dos mitos neoliberais mais mal contados da História. Criaram e recriaram o mantra de que o orçamento público dos Estados são análogos ao orçamento de uma família, quanto menos investimento, melhor, quanto mais cortes públicos, melhor. São fiadores do genocídio dos países que cortaram o orçamento público em Saúde em plena Pandemia de COVID-19. Se o mantra do orçamento recessivo não é o bastante, financiam os teóricos do “viralatismo” que pululam em ambiente acadêmico, ou seja, os povos do terceiro mundo seriam incapazes de desenvolvimento industrial, são os “incivilizados” corruptos e, portanto devem ser capachos eternos do Norte desenvolvido. Dobram a aposta na mitologia do Neoliberalismo como forma de subordinar as economias dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento para que estes contraiam endividamentos profundos com as instituições financeiras do Norte global. Criam e aperfeiçoam jingles do “micro-empreendedorismo” como salvação dos desempregados e desalentados sem explicar-lhes de que isso se trata de uma modalidade nova de servidão além de uma enorme enganação na era do Capital financeiro monopolista global. No Brasil, quase que coincidentemente ao triunfo da chapa Biden-Harris, avançou no Congresso nacional a independência do Banco Central – já é certamente uma das comemorações dos Democratas.
Nº 2: Kamala Harris, a falsa negra é de fato quem irá governar os EUA uma vez que Biden declaradamente tem problemas de saúde mental (mais do que poderíamos supor). Já não é segredo na própria mídia mainstream dos EUA de que Joe já apresenta indícios iniciais de Mal de Alzheimer. Kamala Harris será uma boa governante? Depende do que se considera “bom”. Para quem não sabe, Harris foi uma das promotoras mais direitistas da História do Estado da Califórnia. É atualmente odiada pela população negra daquele estado. Em sua posição de poder de Estado, serviu como boa “Capitã do Mato” ao colocar vários negros na prisão, na maior parte do tempo por infrações que não justificavam prisões, apenas reforçam o viés arbitrário de quem goza de amplos poderes do Estado. Soa um tanto quanto insano vê-la posar de defensora dos Direitos Humanos contra Trump. Se Harris não tem identificação racial e nem de classe com seus próprios conterrâneos, nem quero imaginar o que deve pensar de palestinos massacrados na Faixa de Gaza ou das crianças bombardeadas por mercenários financiados pela OTAN na Guerra da Síria.
Nº 3: Desde a década de 1990 e o advento do receituário Clinton, os Democratas estão sendo conhecidos por uma tática de dominação brutal sem que isso pareça brutal o suficiente diante da opinião pública – talvez por isso mesmo tenha passado despercebido o fato de que já na era Clinton os EUA obstruíram os acordos internacionais com a ex-União Soviética costurados na era Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchev. Bill Clinton atropelou junto à OTAN cláusulas internacionais e implantou ilegalmente bases militares além das fronteiras da recém-criada Comunidade de Estados Independentes. Quem está interessado em um Mundo pacífico e de cooperação multilateral não rasga acordos desta maneira. Nas mãos dos Democratas, o risco de conflito militar na Eurásia mais do que triplica – como já era denunciado por amplos setores da política estadunidense já nas Eleições de 2016. Os Democratas prometem reativar uma das mais brutais guerras civis de nossos tempos, a Guerra da Síria para completar o trabalho que Obama não conseguiu terminar que é enfim retirar Bashar Al-Assad e extirpar o último partido nacionalista do Oriente Médio; o Baath do poder. A retomada da agenda de agressões contra aliados de Moscou em todos os cantos do Mundo é a tendência marcante e explícita – em especial nas áreas mais estratégicas da Eurásia.
Além do mais, os Democratas entraram em desespero quando viram Donald Trump ignorar em 2020 a inauguração dos novos ramais de gasodutos Nord Stream que a Gazprom russa administra e que estabelecem aproximação das economias russa e alemã. Esta visão despreocupada de Trump em relação aos assuntos estrangeiros em detrimento de sua corrida eleitoral levou muitos democratas ao desespero – nem se quer uma “bombinha” disfarçada de ataque terrorista ocorreu nos avanços tubulares russos no Mar do Norte. Que ultraje! Houve quem acreditasse que o processo de Impeachment que os Democratas empreenderam no Congresso Americano em 2019 contra Trump tivesse surtido os efeitos desejados, mas há quem suspeite que caso Trump fosse reeleito, terminasse como Kennedy, assassinado.
Nº 4: Na mão dos Democratas, a aliança histórica dos últimos anos entre Rússia e China pretende se desfazer. Ao que tudo indica, os Democratas mergulharão de cabeça neste projeto, nem que para tal necessite ampliar as Guerras Híbridas que visam empreender na vizinhança imediata de Moscou como Bielorússia, Ucrânia, Armênia, Uzbequistão, Cazaquistão e demais estados. Será reativada à todo vapor o projeto de cordão sanitário contra a Rússia, forçando uma desestabilização do governo de Vladimir Putin. Há quem suspeite até mesmo que a crise separatista na Chechênia volte a esquentar agora com a volta dos Democratas ao poder. De maneira contraditória, mas não menos grave, os Democratas têm estratégias mais sofisticadas em relação à China. O aparato do Imperialismo não irá arrefecer a Guerra contra a China mas irá mudar significativamente o modus operandi. Enquanto Trump tinha como plataforma metodológica uma agenda de negociação agressiva e pública contra Pequim, os Democratas partem da ideia que uma reaproximação estratégica tenha mais efetividade do que a da agressão direta. Talvez estejam mirando o exemplo de Richard Nixon em 1971 que, embora tenha sido um presidente do Partido Republicano é um exemplo bem acabado do que é o Establishment e a forma estratégica de agir do Imperialismo.
Os Democratas devem buscar uma reaproximação com Pequim, não para estabelecer cooperação e paz e sim cercar enquanto se faz o jogo do contente. Não nos esqueçamos que quanto à isso o Brasil tem experiência. Quando Obama deu tapas nas costas de Lula na cúpula do G-20 em Londres 2009 no famigerado epoisódio do “This is my man!“, ninguém àquela altura poderia supor o que os Democratas planejavam para a década seguinte no Brasil um sofisticadíssimo Golpe de Estado que criminalizava um governo e um partido que representou obstáculos objetivos à política neoliberal estadunidense por aqui. Há muito espaço e margem de manobra para os Democratas neutralizarem a China e vão mobilizar a caixa de ferramentas. Indispensável dizer que esta manobra gravíssima coloca em risco não só a autodeterminação dos povos como também a multipolaridade. Resta saber se a China irá cair nesta armadilha. Além disso, os chineses sabem que a retomada da agenda do Tratado Transpacífico do Obama será uma tendência. Este tratado já foi lido em 2015 como uma declaração indireta de guerra contra a China.
Nº 5: Para a América Latina, os Democratas serão os fiadores tradicionais de seus grupos orbitais como PSDB, DEM, NOVO, REDE. Defendem um duríssimo ataque aos direitos econômicos da população bem como a entrega de todos os ativos econômicos do país ao Capital internacional, plano este já aplicado na administração de Bolsonaro de quem impuseram como condição de governo o ministério de Paulo Guedes. Ao contrário do que muitos otimistas alegam, Joe Biden não irá se opor a Bolsonaro, irá cooperar com ele porém impulsionará a Direita Neoliberal para 2022 polarizar com a Extrema-Direita, repetindo o mesmo tipo de jogo de aparências aplicado nas eleições americanas. Em nome do combate ao Bolsonarismo, a solução será apoiar o PSDB, o NOVO, a REDE…os neoliberais “limpinhos”. A “esquerda” nem se quer faz uma crítica à respeito da Frente Ampla se julgarmos a forma como reage à eleição de Biden.
Sob a aura de “gente cool”, os Democratas prometem aplicar a maior agenda austericida desta etapa histórica, subordinando o Mundo a uma realidade servil. Para tal, contam com amplo apoio das Big Techs (os grandes conglomerados de tecnologia do Vale do Silício) que prometem implantar reestruturações da classe trabalhadora em todos os setores da Economia (sobretudo a de serviços) para multiplicar os ganhos especulativos e parasitários do Mundo das finanças. Como diz o jornalista Pepe Escobar, o governo dos Democratas será a nova Cavalgada do Império no Realpolitik. Estamos lidando com gente da PIOR espécie possível e imaginável. Se por um lado o Mundo se despede de um Calígula, por outro lado dá as boas vindas ao Nero!