Um dos grandes temas neste segundo semestre de 2020 são as polêmicas Eleições gerais na Bolívia do próximo dia 18 de Outubro. Além de toda a coleção de exemplos cotidianos sobre a luta política na América do Sul e Mundo em anos recentes, um deles é a análise do processo supostamente “democrático” pelo qual a Bolívia passa pouco menos de um ano após um brutal e violentíssimo Golpe de Estado que levou ao poder setores retrógrados e conservadores comprometidos com a entrega do patrimônio nacional boliviano ao Capital internacional bem como um projeto de neocolonialismo na Bolívia (aos mesmos moldes do que já ocorre no Brasil após o nosso Golpe de Estado e em outros países da América Latina). O desespero da Direita foi convertido em agressividade diante da incapacidade dos neoliberais que estavam representados por Carlos Mesa em angariar o apoio necessário para derrotar Evo Morales do Partido MAS.
Carlos Mesa é um inimigo notório do povo boliviano já de outros “carnavais” uma que foi o vice-presidente de Gonzalo Sanchez de Lozada pouco antes deste renunciar quando o país pegou “fogo”, a população se insurgiu em 2003 contra o regime Lozada – responsável pela tentativa de se aplicar um duro e agressivo choque econômico contra a população mais pobre conhecido como “Plano Sachs”. Incapaz de manter a ordem social e sem legitimidade, Mesa renunciou ao cargo herdado após a renúncia de Lozada. Vinculado à rede de setores neoliberais da América Latina, Mesa saiu do poder boliviano pela porta dos fundos pouco antes da ascensão do MAS e da presidência histórica de Evo Morales, primeiro presidente de origem aimará da Bolívia com ampla identificação com os setores mais explorados da Bolívia.
Mas Mesa não desistiria. Encorajado pela onda direitista na América Latina e apoiado ativamente pelas doutrinas do Pentágono que quer reativar as engrenagens de exceção na região e afastar do poder governos de maior integração social e de tendências nacional-desenvolvimentistas, Carlos Mesa voltou ao cenário almejando disputar a presidência, desta vez com grande apoio não só do Capital financeiro internacional como de países vizinhos já controlados pela Direita na nova onda conservadora da América do Sul. Inconformado com a derrota eleitoral em 2019, junto com outros setores reacionários do país, Carlos Mesa deu o sinal verde para a aplicação de uma Guerra Híbrida relâmpago na Bolívia de natureza racista e que culminou com a tomada do poder e a ascensão da opositora golpista Jeanine Añez. O processo embora grotesco e covarde ilustrou de maneira altamente didática uma tendência que muitos analistas até mesmo do campo progressista insistem em ignorar, a América Latina inteira está sucumbindo em ondas de regimes de exceção. O ano de 2019 inclusive completou o aniversário de dez anos do início da nova onda de Golpes nesta região do Mundo, iniciado com a manobra nas Honduras em 2009.
Na ocasião, o Golpe de Estado da Bolívia foi vendido pela imprensa monopolista como “insurreição do povo” contra a corrupção, velho padrão de narrativa da situação política e mesmíssimo padrão visto no Brasil e em outros países que caíram nesta nova onda. A malandragem na Bolívia não parou em pé porque menos de 6 meses após a manobra, a opinião pública começou a mudar na mesma proporção que os absurdos contra os direitos sociais e econômicos da população passaram a integrar o cenário do poder. A mudança ilegal de regime em 2019 foi para massacrar o povo, vender os ativos da Bolívia ao Capital internacional, ampliar reformas contra os trabalhadores no Congresso nacional e implantar um regime de força “travestido” de “Democracia” onde tanto o Narcotráfico aliado dos EUA quanto os latifundiários e evangélicos controlariam o país – criminalizando as etnias aimarás, quíchuas e guaranis bem como os organizações sociais, sindicatos, partidos, estudantes, professores etc. A Organização dos Estados Americanos, em pleno calor da Guerra Híbrida contra a Bolívia chegou a declarar de forma mentirosa que a eleição de Evo Molares teria sido conquistada por meio de fraude. Menos de um ano depois, a OEA voltou atrás e pediu “desculpas” reconhecendo que não havia ocorrido fraude – mas o Golpe já tinha sido dado! Qualquer semelhança com o que aconteceu no Brasil e em outros casos não é mera coincidência. Evo Morales ameaçado de morte teve de se exilar para não ser morto por agentes do governo de Direita instalado no país.
Novas eleições foram convocadas em 2020 na tentativa de pacificar o país e eis que novamente o candidato do MAS; desta vez Luís Alberto Arce lidera todas as pesquisas para desespero novamente do golpista Carlos Mesa do “Comunidad Ciudadana”. Nesta situação, é necessário ter uma visão crítica sobre o processo eleitoral boliviano assim como de qualquer outro país onde a Direita está na ofensiva. Um Golpe de Estado que contou com apoio de Forças Armadas e setores poderosos dentro e fora da Bolívia não foi aplicado para entregar o poder novamente nas mãos de quem foi golpeado. É necessário compreender que a Direita na Bolívia, assim como em outros lugares partiu para um ataque que inclusive incluía o risco de mergulhar o país num Conflito Civil e não está disposta a sair tão cedo de cena. Esses grupos mafiosos que estão se organizando na região possuem amplo apoio de potências como EUA, interessados em recuperar a rédea curta da América Latina em meio a um mundo onde as disputas Geopolíticas tornam-se mais acirradas. Esta atividade não é uma aventura política de um grupo de indivíduos qualquer. Estas manobras contaram com apoio de setores extremamente poderosos inclusive de fora do país. Assim como o Brasil não é uma “ilha” isolada do Mundo e dos interesses geopolíticos em jogo, a Bolívia não está isolada. Existe uma disputa territorial onde muita coisa está em jogo, inclusive interesses do Brasil sob controle da Extrema Direita. Ter essa consciência é uma forma de elevar o nível das discussões políticas no Brasil e outros países que também passam pelo mesmo processo. Existe em determinados setores de esquerda uma ilusão de que pela via “institucional” seria possível vencer o Golpe de Estado, como se as instituições de Estado e todo o aparato legal do Estado fossem “entes” imparciais distantes do embate político terreno, ou seja, uma visão religiosa e ideológica da luta política real.
Não só a liderança de Arce não garante a vitória do povo boliviano contra o Golpe de 2019 como um novo Golpe já está sendo preparado nos bastidores das Eleições bolivianos. Não devemos ter ilusões! Recentemente, a candidata que está na presidência interina – a também golpista Jeanine Añez (dizem as más línguas que esta também estaria relacionada com interesses do narcotráfico) renunciou de sua candidatura para evitar que o candidato do MAS consiga levar a vitória eleitoral no primeiro turno. A estratégia é fazer com o que o candidato da Direita neoliberal, Carlos Mesa – espécie de “Geraldo Alckmin” da Bolívia – consiga herdar os votos de outros setores da Direita que não decolam nas pesquisas para levar o pleito para um segundo turno. Uma vez no segundo turno, tudo pode acontecer. É muito mais fácil fraudar uma Eleição no segundo turno do que no primeiro turno. E no Brasil nós sabemos muito bem o que acontece nas vésperas de segundo turno quando setores poderosos não querem ter seus interesses contrariados. Neste sentido o Brasil exporta know-how da falcatruas.
Estas observações são importantes para afastar leituras ingênuas da conjuntura. Muitos analistas julgam corretamente que as Eleições de 2020 na Bolívia são a prova dos 9 para a “vitalidade” e “saúde” dos regimes sul-americanos recentes. Não existe a menor “democracia” em nenhum país tomado pela Direita, existe na realidade uma ilusão alimentada e retroalimentada o tempo inteiro por imprensa monopolista, think tanks americanas engajadas na desinformação da população, manipulação de algoritmos em redes sociais, disparos massivos de fake news e etc. Desta forma, as Eleições na Bolívia deste ano estabelecem uma espécie de “Zona Proximal” de aprendizado. Esta expressão popularizada a partir da Educação com o psicólogo e educador russo Lev Vygotsky é comumente usada para descrever a distância entre um nível de aprendizado e desenvolvimento real de uma pessoa para um nível de aprendizado e desenvolvimento potencial. Trazendo esta terminologia pro campo da análise política, os fatos circunscritos nas Eleições bolivianos desempenham um papel didático de aprendizado onde a luta e o processo político vão muito além de “eleições” e “institucionalidade”. É altamente questionável que o candidato do MAS leve a vitória das Eleições de 18 de Outubro da mesma forma que Luís Inácio Lula da Silva liderando as pesquisas de dentro da prisão em 2018 foi interditado do processo eleitoral – justamente porque colocava em ameaça novamente o projeto que avançou no país a partir do Golpe de 2016. Ter essa consciência amplia a capacidade da esquerda em desenvolver um método de luta e atuação política realista, fincada no Mundo real e que efetivamente possa fazer frente e derrotar a Direita nesta nova onde Neofascista que toma conta não só da América Latina como outras partes do Mundo.