Editorial tem receituário e semântica características dos representantes mais selvagens do capitalismo brasileiro.
Já temos a cereja do bolo no ataque que o governo sofreu nos últimos dias por parte dos tubarões da Faria Lima. Depois da estratégia especulativa que empurrou a cotação do dólar para um recorde histórico, chantagem explícita para o governo cortar gastos indiscriminadamente, saiu, enfim, o editorial da Folha de São Paulo sobre o tema.
O texto dominical não contém nenhuma ideia nova. Parece uma nota oficial ditada pelos “faria limers”, com o receituário e a semântica características dos representantes mais selvagens do capitalismo brasileiro.
Já no título repete o surrado clichê do “almoço grátis”.
O que o jornal chama de “almoço” é a manutenção das políticas sociais de apoio à população mais pobre de um dos países mais desiguais do planeta. Para os editorialistas (imagino que a peça tenha sido escrita por mais de um autor), esses benefícios e serviços custam caro demais. Queriam que fosse “grátis”, que não se gastasse um centavo sequer com a ajuda a quem necessita.
Como o governo Lula faz o oposto disso e mantém recursos para as políticas sociais — de forma bem mais timida do que gostaria –, os banqueiros não se conformam. Usam o editorial da Folha para rotular como “gastança” (outro clichê) tudo que for dinheiro público investido para fomentar o bem-estar do povo.
O texto do jornal não diz, mas o que realmente pretendem os carniceiros da Faria Lima está descrito numa abjeta “PEC alternativa”, que os deputados Pedro Paulo, Kim Kataguiri e Júlio Lopes apresentaram para contrapor ao pacote de corte de gastos do governo. Está lá com todas as letras: limitar ainda mais o aumento do salário mínimo e das aposentadorias, além de reduzir os recursos para Educação e Saúde.
O editorial da Folha e os deputados que escreveram essa PEC pusilânime não fazem qualquer menção ao imposto sobre grandes fortunas ou heranças, ideia fragorosamente derrotada no Congresso em votação que quase não apareceu na grande mídia.
Para ficar no campo dos clichês que o editorial inspira, o jornal age como de costume no estilo de um Robin Hood às avessas, que quer tirar dos mais pobres para manter ilesos os bilionários. Nem mesmo migalhas de suas fortunas os capitalistas brasileiros admitem ceder e os veículos de comunicação hegemônicos trabalham para fazer essa aberração parecer natural.
Como exemplo de “gastança”, o editorialista da Folha tem a cara de pau de citar os R$ 150 bilhões que o governo conseguiu aprovar no Congresso para a transição do início de gestão, de 2022 para 2023. Não há nenhuma linha para explicar a necessidade dos recursos suplementares diante do rombo escandaloso de R$ 400 bi deixado pelo governo Bolsonaro (a estimativa é de Henrique Meirelles, que está longe de ser um socialista).
A Folha quer prioridade para a dívida pública, louva o Banco Central por elevar os juros e evitar hiperinflação (!!!) e vaticina que se não mudar a política econômica Lula pode chegar ao fim do mandato com o Dilma em seu primeiro governo.
(Continua sem resposta a pergunta feita pela economista Deborah Magagna, em entrevista ao ICL Notícias: o que justifica racionalmente o Brasil ter ultrapassado a Rússia, país em guerra, em taxa de juros reais? Que risco fiscal é esse?)
Para os brasileiros mais pobres, que precisam de Saúde, Educação, Segurança e amparo social, o editorial não dedica qualquer comentário. Ao contrário: em um trecho sinaliza que a pressão por cortes de gastos vai continuar.
De nada adiantam índices positivos como a queda do desemprego, o aumento nas vendas, as surpresas positivas do PIB. Essa turma é insaciável.
A crítica de Lula aos operadores financeiros é chamada no texto de “velha artimanha”.
Usa, nesse ponto, uma estratégia que tem sido popular entre os direitistas brasileiros: “acuse o seu adversário daquilo que você pratica”.
De artimanha, esses veículos que servem de porta-vozes da Faria Lima entendem muito bem.
(PS.: O colunista resolveu poupar os leitores de comentários sobre outros clichês do editorial, como “cavalo de pau” e “freio de arrumação”)
*Chico Alves/ICL