Sindicato comemora liminar que suspende privatização de escolas de SP

Sindicato comemora liminar que suspende privatização de escolas de SP

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A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) celebrou, nesta quarta-feira (30), uma importante vitória judicial contra o projeto do governo Tarcísio de Freitas para privatizar a gestão de escolas públicas no estado de São Paulo. A decisão, tomada em resposta a uma Ação Civil Pública movida pelo sindicato, veio do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que acatou o pedido do sindicato e suspendeu o leilão das concessões. Ele alega que essa medida comprometeria a qualidade do serviço público de educação, uma obrigação constitucional do estado, da sociedade e das famílias.

Francisca da Rocha Seixas, dirigente da Apeoesp

Para Francisca Pereira da Rocha Seixas, secretária de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp, a decisão representa “uma vitória do movimento educacional em defesa do ensino público e gratuito.” A dirigente salientou que a proposta do governo Tarcísio de repassar a gestão de escolas para empresas privadas por um período de 25 anos ameaça o próprio conceito de educação pública ao fragilizar o processo pedagógico com foco em lucro ao invés de aprendizado.

A ação civil pública movida pela Apeoesp questiona a concessão administrativa das escolas estaduais para a iniciativa privada. O projeto do Governo do Estado prevê a construção e gestão de 33 unidades escolares, sendo 17 localizadas no Lote Oeste, em cidades como Campinas, Ribeirão Preto e Marília, e 16 no Lote Leste, abrangendo municípios como Guarulhos, Diadema e Sorocaba. A concessão, com vigência de 25 anos e investimento de aproximadamente R$ 2,1 bilhões, inclui a responsabilidade por serviços de manutenção e conservação das estruturas físicas das escolas.

A questão da Parceria Público-Privada

O projeto de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para construção e administração de escolas é visto pela Apeoesp como uma ameaça à universalidade e à qualidade do ensino público. Além das 33 novas unidades planejadas para construção por meio de PPP, o governo anunciou, na última terça-feira (29), que também pretende transferir a administração de mais 143 escolas já existentes para a iniciativa privada.

Para a Apeoesp, as PPPs representam “o início do fim da educação pública gratuita”, segundo Francisca Seixas. Ela explica que esse modelo não apenas reduz o papel do estado no ensino, mas coloca em risco o acesso à educação para as filhas e filhos da classe trabalhadora. “Num país capitalista, como o nosso, a escola privada é orientada pelas demandas das classes mais abastadas, enquanto a educação pública é essencial para oferecer oportunidades e promover a mobilidade social das populações mais vulneráveis”, argumenta.

A decisão judicial ressalta que a educação pública é um serviço essencial e, conforme a Constituição, deve ser prestado pelo Estado com participação democrática. O juiz Luís Manuel Fonseca Pires destacou que a concessão a empresas privadas poderia comprometer a gestão democrática e o direito à educação pública de qualidade, transformando um espaço de formação em uma mercadoria sujeita a interesses de lucro.

O juiz Pires também apontou a importância dos ambientes escolares para a formação integral dos estudantes, observando que as experiências fora da sala de aula são cruciais para o processo de aprendizagem e não podem ser ignoradas na gestão educacional. Para ele, o plano de privatização proposto pelo governo implica uma “divisão artificial” que enfraquece o papel da escola como espaço educacional completo e democrático.

Fundamentação da decisão judicial

Na decisão, o juiz Dr. Luís Manuel Fonseca Pires fundamentou a liminar com base nos princípios constitucionais que regem o serviço público de educação, especialmente o da gestão democrática. Segundo o magistrado, o processo licitatório proposto pelo Estado conflita com o artigo 206 da Constituição Federal, que defende a gestão democrática do ensino, e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que reforça a necessidade de participação da comunidade escolar e local nos processos decisórios.

O juiz destacou que a separação entre a gestão física e pedagógica das escolas, como previsto na concessão, pode comprometer a autonomia escolar e limitar a participação ativa da comunidade, composta por professores, estudantes, pais e responsáveis. A decisão cita também estudos acadêmicos que abordam a importância da gestão democrática e da arquitetura escolar para o desenvolvimento de um ambiente educativo que responda às necessidades da comunidade.

O sindicato alerta que a privatização ameaça a educação pública, colocando em xeque o direito universal ao ensino. Para Francisca Seixas, permitir que empresas gerenciem as escolas públicas “afastaria da sala de aula os estudantes de famílias menos favorecidas, que são justamente aqueles que mais dependem da educação pública para terem perspectivas de futuro.”

A Secretaria de Educação, comandada por Renato Feder, é criticada pela falta de diálogo e de consulta à comunidade escolar. Segundo a Apeoesp, a ausência de um projeto pedagógico construído de forma participativa ignora as necessidades de professores, estudantes e funcionários, e subestima o papel da educação pública na construção de uma sociedade justa e inclusiva.

Consequências da liminar

A decisão liminar suspende os efeitos do leilão realizado no dia 29 de outubro de 2024, referente ao Lote Oeste, e impede a realização do leilão do Lote Leste, agendado para o dia 4 de novembro. Com a concessão da tutela de urgência, o processo seguirá agora para apreciação do Ministério Público, que poderá se manifestar sobre o andamento do caso antes da citação da parte requerida, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo.

A Apeoesp defende que o modelo de concessão administrativa representa uma terceirização indevida das escolas públicas, o que comprometeria a gestão democrática e a qualidade do ensino. Em resposta, o Governo do Estado argumenta que a concessão permitirá a construção e a modernização de unidades escolares, melhorando a infraestrutura e permitindo que o Estado se concentre no ensino propriamente dito. No entanto, várias outras concessões feitas têm demonstrado a falta de investimentos das concessionárias, como no caso da Enel, enquanto as empresas lucram com os serviços caros.

Próximos passos e implicações para o ensino público

O embate judicial poderá estabelecer um precedente importante sobre a viabilidade das Parcerias Público-Privadas (PPP) na administração de unidades educacionais públicas no Brasil. Além disso, o caso destaca um conflito central na política educacional: até que ponto o setor privado pode atuar na gestão de escolas sem comprometer os princípios constitucionais da educação pública. Com a suspensão da concessão, o governo estadual deverá reavaliar os critérios e o modelo de parceria com o setor privado.

Para a Apeoesp, o caminho para uma educação pública de qualidade passa pelo investimento do estado e pelo fortalecimento de uma gestão democrática. Como conclui Francisca Seixas, a luta do sindicato “não é apenas por uma estrutura física, mas pelo fortalecimento de uma educação pública que respeite a diversidade e aprofunde a democracia.”

A liminar é passível de recurso, e o Estado de São Paulo poderá contestar a decisão. Mas, com a suspensão temporária dos leilões, o movimento educacional em São Paulo ganha fôlego. A Apeoesp já anunciou que seguirá mobilizada e lutando contra qualquer iniciativa que coloque em risco o ensino público gratuito, considerada a principal ferramenta para combater as desigualdades e promover o desenvolvimento social no país.

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