A 16ª Cúpula do BRICS, já com a presença de novos membros (e com a ausência física do presidente Lula), tem um ponto de inflexão em relação à instância similar de 2023. Segundo a mídia hegemônica no ocidente, a Rússia (e o Irã) estariam usando o bloco como plataforma de uma política “antiocidental”, sabe-se lá o que isso pode vir a significar. Assim, no plano especulativo, os aparelhos ideológicos do neoliberalismo projetam uma ameaça ao poder dos Estados Unidos. Ainda se trata de um exagero, mais propaganda do que realidade.
Por exemplo, o bloco está muito distante de uma aliança ou pacto militar. Nada semelhante ao extinto Pacto de Varsóvia, que era a aliança militar equivalente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), só que do lado da antiga União Soviética.
O instrumento de disputa de poder mundial é outro, e por sinal, muito bem-vindo de acordo mesmo com economistas pensadores fundantes do capitalismo moderno, como o britânico John Maynard Keynes ou o norte-americano Barry Eichengreen. Ambos veem o dólar como uma fonte de privilégio exorbitante por parte de Washington, mesmo diante dos “aliados” europeus. Como afirmou Paul Volcker (ex-presidente do Federal Reserva, o Banco Central dos Estados Unidos), reproduzindo a frase de John Connally, ex-secretário do Tesouro no primeiro governo de Nixon, “o dólar é a nossa moeda e o seu problema”.
Não é à toa que a economia que gira na Ásia continental e na União Eurasiática procura transacionar sem este uso até para interromper o fluxo de retroalimentação da compra de “hot Money” através de títulos da dívida pública dos Estados Unidos. Igualmente sem coincidência, temos a presença do Irã em ambas as associações de cooperação econômica, a Organização de Cooperação de Xangai e a Comunidade Econômica Eurasiática.
Diante deste colosso econômico continental, a pressão do Ocidente (em geral) e dos Estados Unidos (em particular) levou ao reino petroleiro mais importante do planeta a dar um passo atrás.
A posição saudita e Ocidente pressionado
No dia 1º de janeiro deste corrente ano, a Rússia recebeu a presidência do BRICS, associação que, de acordo com a decisão adotada pela 15ª Cúpula do bloco, em agosto de 2023, passou a incluir 10 países, ou quase. O Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita (ainda em avaliação se adere completamente ou não) juntaram-se ao BRICS como novos membros de pleno direito, o que é uma forte indicação da autoridade crescente da associação e do seu papel nos assuntos internacionais.
Outro marco que pode ser incrementado via BRICS é o das transações da chamada “conta petróleo” fora do dólar. A posição recalcitrante da Arábia Saudita, que havia aderido e em seguida se pôs sob observação, acaba sendo o fiel da balança em função da capacidade de produção da petroleira estatal Saudi Aramco. A parceria e os investimentos bilaterais entre o Reino da Casa de Saud e a China já possibilitaram reatar relações diplomáticas entre Riad e Teerã. De tal modo, se Pequim contar com o petróleo saudita, “o céu é o limite”.
Ao mesmo tempo, com a sucessão à vista, o príncipe Mohammed bin Salman parece querer ampliar suas possibilidades e margens de manobra. Tal é assim que, uma semana antes da reunião de Kazan, houve uma cúpula entre a União Europeia e o Conselho de Cooperação dos Países do Golfo (GCC, composto por Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã).
Nada é “coincidência” e caso a comercialização de petróleo, gás e derivados siga o ritmo do comércio complementar entre Irã, Turcomenistão, Rússia, Cazaquistão e China (como destino final de mais da metade desta produção), a hegemonia ocidental nos fluxos comerciais de commodities energéticas ficará seriamente ameaçada.
*Opera Mundi