Manifestantes tomam as ruas no Grito dos Excluídos: vozes das margens ecoam

Manifestantes tomam as ruas no Grito dos Excluídos: vozes das margens ecoam

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Neste 7 de setembro, movimentos sociais, comunidades e grupos populares de diferentes regiões e religiões do Brasil tomaram as ruas para dar voz ao Grito dos Excluídos, que completou 30 anos em 2024. Sob o tema “Vida em primeiro lugar: todas as formas de vida importam. Mas quem se importa?”, o evento buscou refletir sobre a valorização da vida e as diversas lutas por inclusão e justiça social.

Raimunda Nonata de Souza e Silva, conhecida como Joelma, presidente da Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis e Reutilizáveis do Cerrado, destacou a importância da valorização dos trabalhadores da reciclagem. “Nós salvamos a natureza, salvamos vidas, mas é preciso que nos enxerguem, que sejamos vistos nos nossos diretos, na saúde, que tenhamos um valor digno dos catadores. Hoje trabalhamos no sol, ganhamos o terreno do governo federal, mas precisamos de um galpão pra ter dignidade” reivindicou Joelma.

A questão da representatividade feminina também ganhou espaço durante o evento. Wall Moraes, pastora e representante da Plenária Mulheres Negras na Política, chamou a atenção para a falta de acesso de candidatas negras e mulheres aos fundos eleitorais e partidários. “Não adianta aumentarmos as candidaturas se elas não recebem os recursos necessários para suas campanhas”, alertou.

Em Brasília, mais de 40 organizações participaram do ato, segundo Vanildes Gonçalves dos Santos, representante do Centro de Estudos Bíblicos da Universidade Católica de Brasília. Ela explicou que o movimento, que teve origem dentro da Igreja Católica, ganhou caráter ecumênico e inter-religioso ao longo dos anos, com a participação de diversas correntes religiosas e sociais.

O padre Dário Bossi, assessor da Comissão Episcopal para Ação Sociotransformadora da CNBB, destacou que o Grito dos Excluídos representa um “projeto do Brasil que queremos”, a partir de uma união entre movimentos populares e religiosos. Ele também ressaltou o apoio do papa Francisco, que vê nos movimentos populares um importante papel social, referindo-se a eles como “poetas sociais”.

“O papa reconhece que os movimentos populares, mesmo não necessariamente inspirados por razões ou espiritualidade religiosa, têm uma carga de compromisso para o bem-estar do coletivo, para o bem comum, que precisa ser valorizado”, disse.

A edição deste ano também destacou o “Projeto Popular Brasil que Queremos: o Bem Viver dos Povos”, lançado em agosto como parte da 6ª Semana Social Brasileira. O projeto busca estimular iniciativas comunitárias voltadas à agroecologia, convivência com a seca, reforma agrária e o combate à fome nas periferias urbanas, entre outros temas, promovendo uma visão de um Brasil mais inclusivo e justo.

São Paulo: o grito contra a invisibilidade

No feriado de 7 de setembro, o Grito dos Excluídos ocupou as ruas de São Paulo com a participação de moradores de rua, imigrantes, religiosos e membros de diversos movimentos sociais. O ato, que teve início na Praça da Sé, abordou a invisibilidade e marginalização de pessoas em situação de vulnerabilidade, com o tema central “Todas as Vidas Importam, mas Quem se Importa?”.

Os manifestantes pediram atenção urgente às necessidades da população de rua e do sistema prisional, destacando a importância de um novo modelo de sociedade. Paulo Pretini, organizador do ato, afirmou: “É inaceitável conviver com pessoas tendo dificuldade para se alimentar, dificuldade para moradia, para ter trabalho, a gente precisa de fato criar uma outra sociedade muito mais fraterna e solidária”.

Movimentos como a Central de Movimentos Populares (CMP), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos Por Barragens, a Pastoral dos Moradores de Rua, a Marcha Mundial das Mulheres, e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), também estiveram presentes, reforçando a luta por políticas públicas mais eficazes.

Centro de São Paulo | Foto: Rovena Rosa/Agencia Brasil

Luciana Carvalho, da Rede Rua, criticou o descaso com a população de rua, enfatizando que essas pessoas são frequentemente criminalizadas. “A gente precisa de políticas públicas efetivas para essa população, para os excluídos, que façam um enfrentamento, que barrem que a pobreza chegue à extrema pobreza”,enfatizou.

Petra Silvia Pfaller, da Pastoral Carcerária, trouxe à tona a situação das pessoas encarceradas, que, além de invisibilizadas, enfrentam condições desumanas. “Trazemos hoje aqui o grito das pessoas que estão encarceradas, quase 1 milhão de pessoas que não podem vir para gritar, dizer que eles passam fome, espancamento, tortura, falta de acesso à saúde, falta de lugar para dormir, falta de acesso à Justiça. É um povo altamente abandonado pelo preconceito”, disse.

Rio de Janeiro: justiça para as vítimas da violência policial

No Rio de Janeiro, o Grito dos Excluídos também trouxe um forte apelo por justiça social, com destaque para as mães que perderam seus filhos em operações policiais. Essas mulheres lideraram a manifestação, que percorreu o centro da cidade, cobrando a federalização dos processos de letalidade policial, como a Chacina do Jacarezinho, que resultou em 28 mortes em 2021. “Todas as formas de vida importam” foi o slogan da manifestação.

Rio de Janeiro – Grito dos Excluídos e Excluídas 2024 atravessa ruas do centro da cidade | Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

Sandra Quintela, integrante da Rede Jubileu Sul Brasil e coordenadora nacional do Grito dos Excluídos., destacou a importância de dar protagonismo a essas mães, simbolizando a resistência frente à violência do estado e à impunidade. “Ninguém sofre mais com a violência do estado do que essas mães. E o pior: com a impunidade imperando. Os assassinos de muitos e muitas nunca foram punidos ou nem respondem processo. São vidas perdidas de jovens e crianças negras, periféricas. Quando damos o protagonismo a essas mães, dizemos: nós nos importamos com essas vidas”, afirmou.

Além da questão da violência policial, os manifestantes no Rio de Janeiro defenderam pautas diversas, como a preservação do meio ambiente, o acesso à moradia, e o combate ao racismo e à repressão nas comunidades. O ato reforçou a necessidade de desmilitarizar o 7 de setembro, em um país onde a independência plena ainda está distante, enquanto houver desigualdade e injustiça.

* Agência Pública

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