Técnicos veem dificuldade de cumprir todas as novas normas relativas a ‘emendas Pix’; Lula ainda dará aval a solução
Com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de suspender a execução de emendas parlamentares impositivas até que haja maior transparência, integrantes do governo Lula (PT) trabalham em uma contraproposta que atenue a crise entres os Poderes.
Técnicos propõem que só valha a partir de 2025 parte das regras a serem aplicadas, por determinação do ministro Flávio Dino, às chamadas “emendas Pix”. Esse tipo de emenda tem baixa transparência, pois não é necessário apontar para qual área ou projeto será destinada a verba, aplicada direta no caixa das prefeituras.
A apresentação dessa contraproposta ainda depende do aval do presidente Lula. As sugestões devem ser apresentadas em reunião ministerial na segunda-feira (19).
A ideia de integrantes do governo é construir uma alternativa para ser apresentada quando Dino criar uma comissão de conciliação para discutir a implementação das novas regras —o que ainda não ocorreu.
Nas últimas semanas, Dino proferiu decisões suspendendo a execução de emendas parlamentares. O Congresso chegou a recorrer da decisão liminar e argumentou que não seria possível dar maior transparência aos recursos, mas a tentativa não prosperou. Na sexta-feira (16), o entendimento de Dino foi acompanhado por toda a corte.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso, porém, é atender seus redutos eleitorais, não as localidades de maior demanda no país. A aplicação desses recursos também já foi alvo de diversas denúncias de irregularidades.
Dentro do governo, o argumento usado por auxiliares do presidente é o de que, uma vez que já há recursos direcionados, algumas das normas estipuladas pelo magistrado são de difícil implementação este ano.
O governo já empenhou R$ 7,6 bilhões dos R$ 8,2 bilhões de verbas, no modelo vigente, disponíveis em 2024. Desse total, pagou R$ 4,4 bilhões, restando, assim, R$ 3,8 bi a liberar este ano. Este montante só poderá ser liberado a partir do fim das eleições municipais, em outubro.
Outro argumento em favor dessa postergação é o de que não haveria tempo hábil para atendimento de uma exigência do STF: a análise de cerca de 10 mil planos de trabalho de projetos herdados do governo passado e implementados pelas regras em vigor, sem transparência. Na avaliação de técnicos, essa tarefa exigiria cerca de 90 dias.
Além disso, há o temor de paralisação de obras que ainda não tenham sido iniciadas, mas cujos projetos e estudos para execução estejam em curso. Em sua decisão, Dino determinou a continuidade das ações em andamento.
Embora o presidente venha criticando publicamente o modelo de liberação de emendas em vigor, uma ala do governo tem recomendado cautela. O objetivo é não reforçar uma interpretação de que Lula tenha incentivado Dino a suspender a execução do Orçamento.
Lula afirmou, na sexta, que os parlamentares estão viciados no modelo. Ele havia chamado de “loucura” o volume de recursos nas mãos do Congresso, na quinta-feira (15).
Como a Folha mostrou, a cúpula do Congresso já vê uma suposta interferência de representantes do governo nas decisões de Dino, e articula um pacote de medidas mirando os dois Poderes.
Na sexta, mesmo dia em que o STF formou maioria para acompanhar o entendimento de Dino, o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), deu encaminhamento a duas PECs (propostas de emenda à Constituição) que miram a atuação da corte.
Uma delas limita as decisões individuais de ministros do STF —texto já aprovado no Senado em 2023 e que estava parado na Câmara. A outra PEC permite que as decisões da Corte possam ser derrubadas pelo Congresso.
Parte do governo compartilha do receio de um revide do Congresso em votações de interesse do Planalto, mesmo que o governo não tenha interferido. E que, por isso, deve atuar para amenizar a crise.
Na quinta-feira, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou à Folha que o governo busca uma solução em conjunto com o Congresso para as emendas parlamentares num esforço para minimizar atritos com o Legislativo.
O governo também atuou para postergar a implementação de regras definidas por Dino em relação a verbas cobiçadas pelos parlamentares, como as emendas de comissão e o resto a pagar das emendas de relator.
Em petição enviada ao magistrado do Supremo com pedido de esclarecimento, a AGU (Advocacia Geral da União) pediu que os recursos empenhados até agora relativos a estas duas modalidades de emenda sejam liberados —Dino havia mandado suspendê-los até que novas regras fossem aplicadas.
A justificativa é que os parlamentares enviaram os pedidos anteriores com base nas normas vigentes até então, guiadas por decisão anterior do STF, e que seria de difícil execução alterá-las agora porque o próprio Congresso já informou não ter as informações pedidas por Dino.
Na prática, o governo quer aplicar as novas diretrizes de transparência a partir do próximo ciclo de execução das emendas de comissão. Ainda restam cerca de R$ 5 bilhões dessa modalidade a serem aplicados neste ano.
Os recursos de comissão são enviados aos ministérios para serem encaminhados aos municípios pelos presidentes de colegiados temáticos no Congresso. Dino determinou que fique claro qual parlamentar pediu o envio de determinado recurso e qual seria a finalidade dele.
O Congresso argumenta que o remetente do dinheiro já está definido –sob pretexto, de que são as próprias comissões. O ministro do STF, por sua vez, entende que a destinação desse dinheiro é fruto de uma negociação entre parlamentares e quer a identificação do autor original.
Como mostrou a Folha, a Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara distribui verba bilionária de emendas conforme orientações repassadas por uma assessora de confiança do Lira, e com destino desconhecido por membros do próprio colegiado.
Nesta sexta, a AGU encaminhou a ministérios orientação para que se cumpra a determinação de Dino em outra ação, sobre as emendas impositivas. A pasta ressalva que só não deve ser interrompida a liberação dessas verbas relacionadas a obras que já tenham sido iniciadas ou em caso de calamidade pública.