A Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (13), parecer em que aponta a inconstitucionalidade da lei que regulamenta as escolas cívico-militares no Rio Grande do Sul. O posicionamento é mais uma importante conquista, no âmbito jurídico, contra esse tipo de instituição, avaliada por especialistas como antidemocrática, repressora e de qualidade duvidosa.
No documento, a AGU destaca haver, na lei, “uma flagrante infração às normas promulgadas pela União, no exercício de sua competência constitucional privativa para legislar sobre ‘diretrizes e bases da educação nacional’”.
Além disso, argumenta que “resta demonstrada a inexistência de fundamento constitucional que permita a criação de escolas cívico-militares da forma como realizada pela legislação sob invectiva, haja vista que a Constituição Federal, mesmo considerando as características do modelo federativo, não outorga aos estados federados a competência legislativa para instituir um modelo educacional distinto daquele delineado pela Lei nº 9.394/1996”.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que gerou o parecer foi apresentada ao STF pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato).
“Saudamos toda e qualquer medida que venha a combater e a ‘retirar de circulação’ — para usar um jargão militar — esse tipo de iniciativa, que em nada contribui para a educação. Serve, apenas, para propagandeio ideológico e eleitoral e representa uma grave ameaça contra tudo aquilo que nós, ao longo de décadas a fio, construímos, desde a luta pela redemocratização até os dias de hoje”, diz Alex Saratt, primeiro vice-presidente do Cpers, ao Portal Vermelho.
Saratt lembra que a oposição de movimentos sociais, sindicais e educacionais às escolas cívico-militares é parte da luta que vem sendo travada contra retrocessos alimentados, sobretudo, a partir da ascensão da extrema direita no país.
“A luta por uma educação pública de qualidade, laica e socialmente referenciada tem enfrentado, nos últimos tempos, diversos obstáculos, desafios e adversários. Tivemos o homeschooling (ensino doméstico), a chamada ‘escola sem partido’ e ainda precisamos, durante o período do governo Bolsonaro, nos defrontar com ministros completamente desqualificados que ocuparam a pasta da educação”, afirma.
Além disso, acrescenta, “atualmente há um grande risco de expansão da chamada plataformização e das parcerias público-privadas no âmbito educacional, mas um dos elementos mais marcantes dessa conjuntura recente é essa excrescência pedagógica chamada escola cívico-militar. A ela nos contrapomos com a escola democrática e cidadã, que é aquela consagrada na Constituição de 1988”.
O dirigente arremata salientando que é preciso compreender a educação “nessa dupla dinâmica de servir para a democracia, a cidadania e os direitos humanos e também para fomentar e estruturar um projeto de desenvolvimento nacional autônomo e soberano”.
Batalha em curso
No ano passado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o encerramento progressivo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado por Jair Bolsonaro em 2019. Alguns estados resolveram bancar as instituições por conta própria — casos de, entre outros estados, o Rio Grande do Sul, governado pelo tucano Eduardo Leite, e São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas (REP), apadrinhado de Bolsonaro.
A decisão de Leite de manter as escolas foi tomada pouco depois do anúncio do governo federal e, em abril deste ano, a Assembleia Legislativa do RS aprovou o PL 344/2023 — apresentado pelo bolsonarista Delegado Zucco (REP) e transformado na Lei 16.128/24 —, que autoriza o governo estadual a instituir seu próprio programa de escolas cívico-militares. Até o momento, existem 69 instituições nesse modelo no estado.
A vitória obtida no território gaúcho se soma a outra recente, ocorrida em São Paulo. Na semana passada, a lei que institui as escolas-cívico militares foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de SP até decisão final do STF sobre a constitucionalidade ou não do programa.
A decisão foi tomada a partir de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).
No final de junho, a AGU também havia se manifestado pela inconstitucionalidade das escolas cívico-militares de São Paulo, em parecer igualmente encaminhado ao Supremo.