A globalização sucumbe ao fracasso neoliberal

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A possível vitória de Trump certamente acelerará uma nova divisão do mundo capitalista, desta vez de cunho ideológico, diz o colunista Florestan Fernandes Jr.

Com o avanço da extrema-direita no mundo e sua pauta supremacista, antidemocrática e ultranacionalista, estamos dando adeus à cultura da globalização, que vigeu desde os anos 90.

A possível vitória de Donald Trump na eleição estadunidense que se avizinha, certamente acelerará uma nova divisão do mundo capitalista, desta vez de cunho nitidamente ideológico. De um lado, os autocratas fascistas comandando grupos fanatizados e violentos; de outro, aqueles que defendem a preservação das liberdades democráticas de credo, de gênero, de manifestação cultural e de igualdade de raças.

A percepção dessa iminente divisão e os efeitos dela sobre a vida das pessoas foi constatada em recente pesquisa realizada pela Ipsos-Reuters.

Segundo a pesquisa, 80% dos eleitores dos Estados Unidos disseram que o país está “saindo do controle”. Tanto eleitores de Biden como de Trump estão profundamente preocupados com a violência e a disrupção.

Outro dado da pesquisa aponta que 84% do eleitorado está preocupado com atos extremistas após as eleições.

O mais curioso em meio a esses números é que boa parte dos que estão preocupados com o avanço da violência, se diz eleitor do ex-presidente Donald Trump que, com seu perfil belicoso e extremista, há anos incita o ódio e a perseguição dos “inimigos” da vez. O mesmo Trump que no dia 6 de janeiro 2021 convocou uma multidão para invadir o Capitólio, numa tentativa clara de golpe de Estado. O mesmo Trump que defendeu os seus apoiadores que pediam o enforcamento do então vice-presidente, Mike Pence.

Aqui no Brasil, a exemplo de outros tantos países ocidentais, surgiu, na última década, uma extrema direita organizada e alinhada com as mesmas ideias elitistas, racistas e odiosas. Sob a cartilha de Steve Bannon, se implantou no país uma verdadeira guerra cultural e política, com violência virulenta jamais vista. Uma sociedade dividida, onde os adversários políticos foram transformados em inimigos a serem eliminados e os pilares do estado democrático de direito, erodidos.

Tudo isso se refletiu fortemente na política externa, que nos anos do (des)governo bolsonarista buscou aproximação com líderes de extrema-direita, afastando o país de seus parceiros comerciais históricos, inclusive promovendo crises com países como Alemanha, Espanha, França, Chile e tantos outros.

No léxico da extrema-direita internacional se destaca a negação de todo e qualquer sistema, ideia ou regime que não seja espelho de si. Chegamos ao ponto de quase romper com o Acordo de Paris, simplesmente porque o ex-presidente, do abismo de seu terraplanismo ambiental, não acreditava no aquecimento global. Nossa vizinha Argentina, sob Milei, segue no mesmo rumo do Brasil de Bolsonaro. O presidente ofende líderes de esquerda e até da direita convencional, esnoba o Mercosul, rechaça a entrada nos BRICS, enquanto seu povo amarga índices galopantes de pobreza e miséria. Nos EUA, Trump avança, com o mesmo discurso de ódio e fake News, e tem chances reais de vitória, sob o manto de um partido Republicano rendido ao trumpismo que o engoliu. Provas da proeminência do trumpismo são a escolha de um candidato a vice-presidente à imagem e semelhança de Trump; além do fato de que nenhum dos nomes históricos do Partido Republicano apareceu na convenção realizada nesta semana, que consolidou o nome de Trump como candidato do partido.

Tudo o que acompanhamos é o inverso do mundo globalizado que vimos até aqui e que sucumbe ao fracasso do neoliberalismo. Surgem no horizonte do século 21, as sobras revigoradas de tudo o que de pior o século 20 produziu – o fascismo, a intolerância e o ódio. Vivemos uma crise de confiança nas democracias, que atinge em cheio as instituições e até mesmo os avanços do conhecimento e da ciência são vitimados pelo negacionismo e terraplanismo trazido a reboque pela extrema-direita que se alastra.

É desse desalento e sentimento de incapacidade diante da vida e do mundo que emergem os líderes autoritários. É a partir dos discursos messiânicos que esses líderes inflamam os afetos e exploram a violência e intolerância que eles próprios exercem e fomentam em seus seguidores fanatizados.

É esse o caos em que estamos imersos e é nesse contexto que somos chamados a resistir e lutar pela preservação da democracia. Como disseram Marx e Engels no livro O Manifesto Comunista: “O capitalismo gera o seu próprio coveiro”.

*Florestan Fernandes Jr./247

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