Entre as muitas formas de violência que emergiram com a extrema-direita, umas das mais expressivas é aquela voltada conta as pessoas LGBTQIAPN+. E isso se traduz em números bastante eloquentes: segundo o Atlas da Violência 2024, no ano de 2022, 8.028 pessoas dissidentes sexuais e de gênero — como a publicação classifica esse grupo — foram vítimas de violência no Brasil, um aumento de 39,4% em relação a 2021, quando foram registrados 5.759 casos.
A publicação, produzida pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, explica que essas informações — cuja base é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), vinculado ao Ministério da Saúde — dizem respeito aos registros de violência contra vítimas LGBTQIAPN+ por quaisquer que sejam as motivações (exceto a auto-provocada), “não devendo, portanto, ser confundidos com registros indicadores de LGBTfobia necessariamente”.
Por outro lado, argumenta que o Brasil se insere nas transformações globais advindas da ascensão da extrema-direita, com a eleição de Jair Bolsonaro em 2022, e que tais transformações “impactaram todos os segmentos da população, mas especialmente aqueles tomados pela extrema direita como inimigos nacionais: pessoas negras, indígenas, povos tradicionais, mulheres e LGBTQIAPN+”.
Por isso, segundo o Atlas, os incrementos significativos nos números de violência contra esse segmento “têm nessas dinâmicas perversas uma de suas explicações”.
O estudo aponta que desde 2014 os casos de violência contra essa população vêm crescendo, com exceção de 2020, primeira ano da pandemia, mas chama atenção para o salto registrado entre os anos de 2021 (5.759 casos) e 2022 (8.028).
Recortes
Considerando esses dados, quando o recorte é feito a partir da orientação sexual, 72,5% (5.826 pessoas) das vítimas eram homossexuais e 27,4% (2.202) eram bissexuais. A maioria é de mulheres, 67,1%, quase o dobro do número de homens (32,7%).
Também nesses dados é possível verificar a sobreposição do racismo: a maioria das vítimas, 55,6%, é negra — 39,2% brancos, 1,1% amarelos e 0,7% são indígenas.
Os jovens também são os que mais sofrem. Dentre os homossexuais vítimas de violência, 63,7% se concentram entre 15 e 34 anos. A faixa dos 40 aos 49 anos tem11,6% das vítimas. As pessoas bissexuais vítimas de violência são mais jovens, com a maioria concentrada na faixa etária de 15 a 29 anos (65,2%).
Já os dados relativos à identidade de gênero mostram que travestis e homens e mulheres trans foram 4.170 vítimas de violência em 2022, uma alta de 34,4% em relação a 2021 (3.103).
Em 2022 as mulheres trans foram 66,3% do total de pessoas trans e travestis vítimas de violência. Homens trans representaram 19,5% enquanto travestis foram 14,3%.
Além disso, o levantamento aponta que, no que diz respeito ao tipo de violência sofrida, 3.159 pessoas trans e travestis foram vítimas de violência física em 2022. Em 2021 foram 2.391, o que significa um aumento de 32,1%.
No caso das violências psicológicas contra pessoas trans e travestis em 2022, foram registradas 1.302, contra 1.064 em 2021, crescimento de 22,3%. Também foram contabilizados 175 violências de tortura em 2022, um recrudescimento de 41,1% em relação a 2021, segundo o vermelho.
“Se é verdade que o aumento dos registros do Sinan poderia ser explicado pelo espraiamento das redes de atendimento, poderia ser também atribuído a um aumento da violência e da vulnerabilidade contra essa população, ainda que não tenha resultado em aumento dos casos letais captados pela sociedade civil”, diz o estudo. Cabe salientar que a maior parte dos agressores, 71%, é de homens.
O Atlas acrescenta que o ano de 2022 “encerrou o mandato de um governo federal marcado por violações a direitos humanos e pela reconfiguração de políticas públicas para essa população, em que ataques à população LGBTQIAPN+ constituíram tática de manutenção de popularidade e mobilização de massa no longo prazo, e instrumento de campanha política no curto prazo”.
De acordo com o a pesquisa, o enfrentamento a esse tipo de violência “depende da produção de um tecido social acolhedor à diversidade e às dissidências sexuais e de gênero, pela via de uma educação e conscientização que abordem temas ainda lidos como polêmicos e ‘ideológicos’ quando, na verdade, dizem respeito à vida e aos direitos de existência das diferenças”.