Um alerta sobre o PL 1904, o PL do Estupro, e as tais 22 semanas

Um alerta sobre o PL 1904, o PL do Estupro, e as tais 22 semanas

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Faço este post porque tenho lido e ouvido pessoas relativizando a gravidade do PL sob o argumento do marco das 21 semanas, que seriam suficientes para a gestante/vítima interromper a gestão.

O marco que o PL estabelece não é 22 semanas. O marco é a “viabilidade fetal”.

Vejam o texto grifado na imagem, que tirei do texto disponível no site da Câmara.

22 semanas é apenas uma presunção do momento em que a viabilidade se considera presente.

“Presunção”, no direito, é um fato que se aceita verdadeiro independentemente de prova. Seu papel, nesse caso, é liberar a acusação do ônus de provar que ele é verdadeiro. Em outras palavras: uma acusação criminal baseada numa lei com o texto proposto no PL não precisará provar viabilidade fetal se a gestação tiver 22 semanas ou mais.

Mas isso não significa que não se possa tentar fazer prova dessa viabilidade antes das 22 semanas.

Pois pelo texto do PL, ela não poderia ser presumida antes de 22 semanas, mas em tese alguma autoridade (jurídica ou médica) poderá alegá-la, investigá-la, ou tentar prová-la.

Não sou médico, mas imagino que a tendência é que a viabilidade fetal seja cada vez mais antecipada, na medida em que avança a medicina neonatal e a aparelhagem médica hospitalar. Imagino que o marco da viabilidade extra-uterina só tenha diminuído ao longo do tempo. Aliás, hoje o recorde de parto prematuro já é menor do que a presunção do PL: 21 semanas.

Esse dado deve ser lido ao lado de outro, muito lembrado nas conversas sobre o PL, sobre o quão difícil é, na prática de muitas mulheres, conseguir exercer o direito ao aborto legal a bom tempo. Por mil fatores: porque o hospital público que antes fazia o procedimento na sua cidade deixou de fazê-lo; porque o único médico da rede pública que poderia fazê-lo num raio de x quilômetros se recusa; porque a família (onde muitas vezes está o próprio estuprador que a engravidou) impede ou dificulta; porque ela está paralisada por medo ou por trauma; ou por outras tantas razões.

A partir da concepção, começaria a correr uma ampulheta para ela superar todos esses e tantos outros obstáculos. Essa ampulheta terá cada vez menos areia e escoará tão mais rapidamente quanto mais precoce for o prazo da “viabilidade”, nos termos da lei proposta.

Ou seja, a linha que distinguirá a mulher vítima de estupro, de um lado, da mulher homicida, do outro, é uma linha móvel. Essa linha nunca se moverá contra o estuprador. Ela só se moverá contra a vítima que ele engravidou.

Das muitas atrocidades que o legislativo já praticou contra mulheres, esse PL é a coisa mais violenta, ultrajante, absurda e desumana que eu já vi.

Quem puder, compareça hoje aos atos de protesto contra o PL do estupro. As convocatórias estão rolando em todas as redes.

Imagem

*Do twitter de Rafael Mafei

 

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