Se há algo em que os bolsonaristas se especializaram é na arte de usar os argumentos de quem combate alguma coisa para, na verdade, dedicar-se com tudo a praticá-la.
Esta habilidade não é tão recente nem foi inventada pelo medíocre ex-capitão que dá nome a esta corrente política.
Em realidade, esta técnica vem sendo desenvolvida e aperfeiçoada há algumas décadas pelos fundadores teóricos do bolsonarismo, que já a estavam desenvolvendo muito antes de que o tosco ex-militar fosse sequer conhecido por eles mesmos.
Portanto, neste caso, o nome dessa corrente política não deriva de quem a fundou ou de seu principal formulador teórico, e sim de um sujeito que simboliza a podridão mais completa dos efeitos combinados da aplicação prática dessa “filosofia”.
A essência do bolsonarismo pode ser detectada já nas argumentações do seu mais conceituado idealizador, Olavo Carvalho, como ele é costumeiramente chamado.
Muito antes de o nome do ex-capitão ultrapassar as fronteiras dos territórios milicianos do Rio de Janeiro, o ex-astrólogo e jornalista já se dedicava à martelação constante contra as forças de esquerda, acusando-as de aparelhar todos os espaços significativos das instituições culturais da sociedade.
Em consonância com essa interpretação, órgãos da mídia corporativa privada, como a rede Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão, a rede Record, o SBT, entre outros, estariam todos a serviço do comunismo e de sua visão de mundo. Quando não abertamente, pelo menos de modo camuflado.
Embora todos os dados disponíveis deixassem evidente que a fundação da rede Globo se originou de um conluio entre os Marinhos e a alta cúpula dos militares com vistas a dar sustentação à defesa dos interesses do grande capital e do imperialismo estadunidense, Olavo insistia em afirmar que o propósito de fato da emissora era atuar sorrateiramente em sintonia com os valores comunistas.
E, da mesma maneira que se apoderaram dos meios de comunicação, os esquerdistas, alardeava Olavo de Carvalho, também teriam tomado de assalto todos os demais entes formadores de opinião do país, como as universidades, a Igreja Católica, etc.
Portanto, em um trabalho incansável e repetitivo, nossas mentes foram sendo bombardeadas sobre as maneiras como a esquerda usava os grandes meios de comunicação para inculcar nos desavisados sua ideologia, através da repetição constante de mensagens enganadoras que visavam fazer a lavagem cerebral das maiorias incautas.
Ou seja, temos aqui a primeira grande lição que o bolsonarismo bolsonariano soube assimilar e pôr em prática como ninguém antes havia feito.
Em outras palavras, para ter mais possibilidade de êxito em empreitadas mal vistas pela sociedade, a primeira medida a tomar é lançar uma furibunda campanha contra seus oponentes políticos, acusando-os de fazerem aquilo que você pretende fazer.
Imbuídos plenamente desse espírito bolsonarista-olaviano, os integrantes da quadrilha Lava-Jato puderam desfechar o mais monstruoso processo de corrupção já efetivado em nosso país.
Para ter êxito em seus objetivos, os quadrilheiros lavajatistas se articularam com a mesma mídia antes acusada de favorecer o comunismo de modo a aparecer em público como se fossem os mais honoráveis combatentes contra a corrupção.
Então, com o propósito de entregar o pré-sal a empresas gringas, acabar com a engenharia civil brasileira, destruir nossa indústria naval e desviar bilhões de recursos públicos para fundações particulares controladas pelos próprios quadrilheiros, estes precisavam ser publicamente pintados como figuras moralmente intocáveis, paladinos da luta anticorrupção. E assim se deu!
Quem não se recorda dos grandes dutos jorrando dinheiro da corrupção a cada vez que a rede Globo abordava a atuação da operação Lava-Jato?
Tudo isto, ao mesmo tempo em que as riquezas do pré-sal iam sendo entregues aos gringos, as empresas brasileiras iam sendo desmanteladas para facilitar a prevalência de suas congêneres estrangeiras e os líderes da quadrilha iam se tornando milionários.
Porém, para ficar de alma lavada, o bolsonarismo também precisava apelar para a religião.
Então, para que pudessem angariar apoio para seus planos diabólicos de beneficiar os mais ricos em detrimento das maiorias populares, disseminar o ódio para favorecer suas empreitadas, ou seja, para eliminar todos os vestígios dos ensinamentos de Jesus e levar adiante a obra do diabo, as igrejas- empresa bolsonaristas vêm deslanchando toda sua fúria contra os que desejam defender os interesses das classes trabalhadoras.
Por isso, estamos constatando a manipulação do nome de Jesus para sustentar causas contra as quais ele sempre lutou.
Assim, de defensor da justiça, do amor, da solidariedade e de sua declarada opção preferencial pelos mais humildes, as igrejas-empresa bolsonaristas vêm tratando de transformar Jesus em propagador de intolerância, ódio, maldade e opção exclusiva pelos ricos.
Em lugar de acolher sua visão de que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus, igrejas-empresa bolsonaristas difundem a mensagem de que os ricos é que são os abençoados. E, devido a isto, ser pobre seria um indício de não contar com a graça de Deus.
Em 2022, no intuito de se manter no poder a qualquer custo, o bolsonarismo não economizou recursos públicos para tentar comprar o voto da população mais necessitada, assim como a recorrer a PRF para bloquear estradas e impedir ou dificultar o acesso às urnas dos potenciais eleitores anti-bolsonaristas.
No entanto, para levar adiante este plano descarado de fraudar a eleição, o bolsonarismo precisava bradar, gritar e berrar, que o TSE e o STF estavam trabalhando para beneficiar seu opositor.
Ou seja, para fraudar e golpear, era preciso acusar seus adversários de estarem golpeando e fraudando.
Mas, no caso das eleições passadas, ficou evidente que a máquina do bolsonarismo pode ser derrotada.
Tanto assim que, apesar dos bilhões desviados para manipular a compra de votos, apesar dos bloqueios nas estradas para impedir a chegada dos eleitores, ainda assim, a máquina bolsonarista foi derrotada. E o golpe foi tão forte que o líder nominal da corrente não teve coragem de dar as caras por muitos dias.
No caso da tragédia que está assolando o Rio Grande do Sul, o bolsonarismo está dando mostras de como assimilou à perfeição os ensinamentos de seus mentores intelectuais.
Como ardorosos neoliberais que são, os bolsonaristas vivem pregando o banimento do Estado das questões sociais e o fortalecimento máximo de seu aparelho repressivo.
Mas, como a catástrofe gaúcha escancarou a importância crucial da presença do Estado para garantir a vida da população, os bolsonaristas puseram em marcha uma gigantesca campanha de mentiras e desinformações (as tais “fake news”) visando impedir que o governo federal do Presidente Lula tenha êxito em sua tarefa de salvar o povo gaúcho do drama que o neoliberalismo ajudou a agravar.
Deste modo, como não podem dizer abertamente que são contra a atuação do Estado nesta hora de tanto sofrimento, o bolsonarismo conta com a disseminação de mentiras pelas redes sociais para criar dificuldades e gerar pânico para, com isso, fazer vingar sua posição de que o Estado é inútil.
Ou seja, nesta oportunidade, o bolsonarismo está tendo condições de revelar sua essência em toda sua plenitude.
Os bolsonaristas não querem que o governo federal atue eficientemente para salvar aqueles que estão sofrendo as consequências da tragédia.
Por isso, estão propagando suas mentiras como se estivessem reclamando por a máquina estatal não estar funcionando como deveria.
Ocorre que, com as novas tecnologias das redes digitais e a proximidade ideológica e política do bolsonarismo com os donos dos megaconglomerados que controlam essas plataformas, essas atividades típicas do bolsonarismo se viram facilitadas.
Agora, as redes bolsonaristas podem dispor da assessoria dos algoritmos para alcançar muito maior eficiência. Portanto, com os recursos tecnológicos da atualidade o bolsonarismo pode chegar a cada qual com a mentira conveniente a cada qual.
Assim, o esquema de desinformação e manipulação cognitiva que Olavo de Carvalho acusava falsamente a esquerda de realizar está sendo efetivamente posto em prática por seus discípulos do bolsonarismo atual.
De tudo o que vimos mais acima, poderíamos resumir a filosofia do bolsonarismo, em todas as suas facetas, com uma única palavra: HIPOCRISIA.
*Jair de Souza é economista e mestre em linguística pela UFRJ.
*Viomundo