‘A solidariedade generosa que a população gaúcha vem recebendo não pode ser fraudada no seu espírito humanitário’.
Em situações de calamidade climática, social e ambiental como a vivida no Rio Grande do Sul, a legislação é flexibilizada e procedimentos administrativos e orçamentários são facilitados para agilizar as providências necessárias.
Mesmo com tal flexibilização, no entanto, não são abolidos os ritos elementares de execução de despesa pública, assim como a formalidade mínima e de transparência dos processos administrativos e orçamentários.
A conta PIX anunciada pelo governador Eduardo Leite para receber doações de pessoas físicas e de empresas não cumpre as devidas formalidades, e apresenta uma série de inconsistências que precisam ser esclarecidas, para que não ocorram desvios e para que a verba milionária arrecadada não seja manuseada por aproveitadores e demagogos com fins clientelísticos em meio à catástrofe.
Analistas especializados em questões administrativas e orçamentárias elencam uma série de problemas na conta PIX:
1] a criação da conta não observou o disposto na Lei 4.320/1964, sobre normas orçamentárias. O inciso III do artigo 41 da Lei conceitua como crédito adicional os recursos “extraordinários, destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública”.
A 4.320 estipula, ainda, que “os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo” [artigo 44], o que na prática não ocorreu, porque o governador comunicou a abertura da conta pela imprensa, sem respeitar o devido trâmite legislativo;
2] as doações arrecadadas por campanha institucional do governo do Estado, inclusive com o governador como garoto-propaganda, deveriam ser creditadas em conta específica do Tesouro do Estado.
A despeito disso, no entanto, o governo estranhamente criou uma conta em nome de uma entidade de direito privado, a Associação dos Bancos no Rio Grande do Sul, sem sujeitar tais recursos ao escrutínio do controle público que, com a decretação de estado de calamidade, seria acelerado, e não prejudicaria a agilidade na concessão dos benefícios.
3] a Associação está instalada no 17º andar do edifício Santa Cruz, localizado no número 1234 da Rua dos Andradas, que está alagada e seus acessos bloqueados. Segundo informado, a entidade possui apenas dois ou três funcionários burocráticos, sem conhecimento em questões emergenciais.
*Jeferson Miola/247