De 2021 a 2023, a empresa gastou R$ 73,5 bilhões para recomprar ações em queda na Bolsa. Montante é quase o dobro do estipulado pela Justiça para indenizar famílias afetadas pela tragédia de Brumadinho.
mineradora Vale gastou R$ 73,5 bilhões para recomprar ações no período de 2021 a 2023, beneficiando assim seus acionistas. O montante é quase o dobro do total determinado pela Justiça para a empresa indenizar as famílias afetadas pelos impactos das ações da empresa e meio ambiente. A informação é da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, que detêm ações para usar o direito de voz e voto durante as assembleias gerais da empresa para denunciar aos demais acionistas violações de direitos.
Mais conhecido como acionistas críticos, esse grupo participou da assembleia realizada nesta sexta-feira (26), com presença de Gustavo Pimenta, vice-presidente executivo de Finanças e Relações com Investidores da mineradora. A aplicação dos R$ 73,5 bilhões para evitar a queda na Bolsa de Valores, apesar do calote nas indenizações referentes ao rompimento da barragem de Brumadinho, foi uma das questões imersas em absoluto silêncio.
O acordo judicial de reparação da tragédia de Brumadinho foi calculado em R$ 37 bilhões. Deste total, foram executados, até agora, R$ 26,4 bilhões, o que equivale a 68% do acordo. Faltam ainda R$ 11,13 bilhões.
Os acionistas críticos apontaram outras questões pendentes em relação à região de Brumadinho, onde está localizado o Quadrilátero Ferrífero-Aquífero (QFA). Nessa área estão instaladas seis barragens de rejeito em nível de emergência e 18 em condição de estabilidade negativa. Eles reclamam da falta de transparência em relação ao risco de contaminação das águas subterrâneas que abastecem as comunidades de Tejuco, Córrego do Feijão e a cidade vizinha, Mário Campos, onde vivem ao todo cerca de 5 milhões de pessoas.
“Vale fechou olhos para as comunidades impactadas”
“Mais uma vez a Vale fechou seus olhos para as comunidades impactadas pelas suas operações. Muito sofrimento e muitas mortes poderiam ser evitados se a Vale ouvisse as manifestações sobre os contínuos impactos sociais e ambientais da empresa, destacando as contradições entre a narrativa criada por ela para os investidores e a realidade no local. Os investidores devem ir além dos relatórios da Vale para ter uma visão completa, e devem tomar medidas para responsabilizar a empresa pelos danos passados e atuais”, disse Fernanda Martins, secretária-executiva da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.
Durante a assembleia, os acionistas críticos repetiram, no documento do voto, a pergunta que fazem para a Vale desde 2020 sobre o plano de fechamento do Complexo Paraopeba. “A Vale pretende ainda voltar a operar em Brumadinho, no mesmo lugar da tragédia, mesmo depois de tudo o que aconteceu?”
As questões relativas a Brumadinho afetam diretamente os interesses de todos acionistas. Isso porque se referem à imprevisibilidade das despesas. Os processos de reparação pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão e o colapso das barragens B-I, B-IV e B-IVA ainda estão em curso. Existem ações judiciais sem decisão de mérito, assim como ações de reparação que ainda serão executadas no longo prazo. Essas informações são omitidas no Relatório de Administração.
Esta semana, a Justiça Federal determinou que comunidades de cinco municípios do Espírito Santo sejam incluídas entre as atingidas pela Vale. “A irresponsabilidade da Vale com a vida das pessoas e a omissão de informações respinga nos interesses financeiros dos acionistas”, disse Martins.
Mineradora não responde sobre apurações de acidentes
Outra questão levantada pelos acionistas críticos diz respeito aos acidentes. Segundo a Vale, 105 pessoas das comunidades afetadas por operações da empresa sofreram acidentes no ano passado, resultaram em 11 mortes. Segundo a empresa, os índices cresceram 18% de 2022 para 2023, considerando lesões fatais e não fatais.
No entanto, a Vale não aponta no relatório, nem esclareceu na assembleia, o modo como são feitas essas apurações, quais medidas para evitar acidentes e de que modo a empresa tem reportado os casos para as agências reguladoras, como à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Em 2023, a mineradora criou a holding Vale Base Metals (VBM), para concentrar a gestão dos negócios ligados à produção de baterias para veículos, com o intuito de liderar este mercado. Os acionistas críticos apontaram que esse tipo de mineração, blindada pela narrativa da transição energética, causa impactos como o que acontece com a exploração de níquel na Ilha Sulawesi, na Indonésia.
Estudos realizados apontam contaminação no rio localizado nos arredores da mina da Vale. No rio Oko-Oko, que serve como fonte de água comunitária, foi encontrado cromo hexavalente, metal pesado e cancerígeno que causa danos ao fígado e à pele, excedendo os padrões aceitáveis. Apesar das diversas denúncias, a Vale ignora os estudos produzidos pela comunidade.
*RBA