Paz e estabilidade, integração e crescimento. Esses binômios sintetizam os rumos que os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Colômbia, Gustavo Petro, vislumbram para a América do Sul. Os dois chefes de Estado se encontraram na quarta-feira (17), em Bogotá. Um dia antes, na terça (16), participaram, por videoconferência, da Cúpula Virtual da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Afinal, como Lula e Petro querem impulsionar as relações entre suas nações – e, ao mesmo tempo, impulsionar o próprio continente?
As agendas ocorrem num momento em que os sul-americanos estão sob risco de conflitos regionais. Venezuela e Guiana disputam a região de Essequibo, rica em depósitos de petróleo, ouro e outros minérios. Hoje, Essequibo ocupa dois terços do território guianês. Uma lei aprovada na Venezuela em 3 de abril proclama sua anexação e o declara o 24º estado venezuelano – o Estado de Guayana Esequiba.
Dois dias depois, o governo do Equador provocou uma crise diplomática com poucos precedentes na região. Forças policiais do país invadiram a embaixada do México em Quito e prenderam o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, que estava asilado. De acordo com as normas internacionais, instituições diplomáticas como embaixadas e consulados são invioláveis.
Em protesto, o México rompeu relações com o Equador e apresentou uma ação perante a Corte Internacional de Justiça. No rastro da crise, a presidenta hondurenha Xiomara Castro, hoje à frente da Celac, convocou uma cúpula emergencial. A maioria dos membros se solidarizou com o México, mas a o discurso de Lula sobressaiu pela contundência.
“Medida dessa natureza (a incursão ilegal na embaixada) nunca havia ocorrido, nem nos piores momentos de desunião e desentendimento registrados na América Latina e no Caribe – nem mesmo nos sombrios tempos das ditaduras militares em nosso continente”, afirmou o presidente brasileiro. “O que aconteceu em Quito, no último dia 5, é simplesmente inaceitável e não afeta só o México. Diz respeitos a todos nós.”
Lula cobrou do Equador um pedido formal de desculpas e, como principal líder da Celac, manifestou “claramente o inequívoco repúdio da região”. Ao mesmo tempo, valorizou o empenho do bloco em discutir os problemas regionais. “Continuaremos a ter diferenças de visões e opiniões, mas temos, sobretudo, o compromisso de resolvê-las com base no diálogo e na diplomacia.”
Gustavo Petro, por sua vez, classificou a invasão como “muito grave” e suspendeu o gabinete binacional entre Colômbia e Equador. O presidente acrescentou que apoiará qualquer processo judicial ou diplomático contra o Equador. “Se o governo do México decidir recorrer ao Tribunal Internacional de Justiça e às Nações Unidas, vamos acompanhá-lo”, discursou Petro.
Suas palavras também foram duras: “Não sei por qual motivo um presidente que tem tão pouco tempo no seu mandato presidencial desencadeia ou permite que ocorra tal barbárie. Equador e Israel estão praticamente apertando as mãos na competição pela barbárie – e isso não pode acontecer”.
Paz e estabilidade política andam juntas no “programa comum” de Lula e Petro. Os dois presidentes apostam na autonomia e na soberania do continente. “Nossa região já foi vítima do colonialismo e da ação unilateral de grandes potências. Não queremos isso para nossos povos”, alertou Lula na Celac. “Se depender de Colômbia e Brasil este continente será uma zona de paz”, agregou Petro em Bogotá.
Sobre a eleição presidencial na Venezuela, os dois países – Brasil e Colômbia – buscam consensos que preservem a colaboração e o respeito à soberania. Petro propõe um plebiscito anterior ao pleito para garantir que os candidatos derrotados não sofram eventuais perseguições. Lula frisa que é preciso condenar as sanções econômicas contra a Venezuela e estimular o diálogo.
O segundo binômio atribuído à região – unindo integração e crescimento – marcou a parte final da visita oficial de Lula à Colômbia. Conforme lembrou o Planalto, “nas relações bilaterais entre os dois países, observa-se atualmente forte interesse em diferentes setores de ampliar a integração de cadeias produtivas nacionais em áreas como indústria automobilística, farmacêutica, cosmética, agroalimentar, de defesa e de produtos fitoterapêuticos. Estima-se haver grande margem para aumento das exportações brasileiras, tanto no setor industrial quanto no setor agropecuário”.
A participação de Lula no Fórum Empresarial Brasil-Colômbia teve essa diretriz. Na programação, o presidente brasileiro discursou para mais de 500 empresários. “A vocação para unir o Caribe, o Pacífico e a Amazônia torna a Colômbia um sócio indispensável”, afirmou. “Precisamos assumir a responsabilidade de definir que América do Sul nós queremos, que país nós queremos e que política de integração nós queremos.”
A integração pode beneficiar igualmente as duas nações na luta pelo crescimento econômico. Com a reabertura econômica pós-pandemia, a Colômbia cresceu 11% em 2021 e 7,5% em 2022. Porém, a desaceleração se acentuou em 2023, quando o PIB (Produto Interno Bruto) do país avançou apenas 0,6%.
No Brasil, o comportamento da economia tem surpreendido o mercado, mas ainda é insuficiente para viabilizar inteiramente projetos como a neoindustrialização do País o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O País, a exemplo da Colômbia, sofre com obstáculos como a elevada taxa básica de juros, que inibe investimentos. Sem contar a absurda proposta de déficit zero em tempos de “reconstrução”.
Antes da viagem a Bogotá, Lula, em pouco mais de um ano e quatro meses de mandato, já havia aberto mais de cem novos mercados para a exportação de produtos brasileiros em 50 países. A lista foi encorpada na Colômbia, onde o presidente assinou 11 atos de cooperação, sendo alguns deles no âmbito comercial.
De quebra, o brasileiro declarou apoio à proposta colombiana de adesão aos BRICs. Com histórias não necessariamente convergentes nas últimas décadas, Brasil e Colômbia deram um bom exemplo do que a América do Sul precisa no rumo da emancipação.