É inútil mencionar os quase 30 mil mortos em Gaza ou argumentar que é um número baixo comparado ao Holocausto.
Concluir se Israel comete ou não genocídio depende de provar que as forças israelenses e o atual governo têm a intenção de exterminar a totalidade ou uma parte do povo palestino; e que as mortes de civis não são apenas decorrência de ataques desproporcionais ou de danos colaterais causados pelo enfrentamento ao Hamas.
Nesta quarta-feira (28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atribuiu pela segunda vez em 24 horas o crime de genocídio a Israel, como havia feito no dia anterior, em entrevista à Rede TV. Ele cita com frequência a amplitude da tragédia humanitária em Gaza, sobretudo a morte de mulheres e crianças, para embasar sua percepção sobre genocídio.
A Convenção sobre Genocídio de 1951 não menciona números, escala ou proporções. Então, é inútil mencionar os quase 30 mil mortos em Gaza, segundo dados palestinos, como forma de provar a existência de um genocídio, como faz Lula; assim como é inútil argumentar que esse número é relativamente baixo se comparado aos 6 milhões de judeus mortos no Holocausto, para refutar a tese de que há um genocídio em curso. Juridicamente, o que importa é a intenção de varrer do mapa, total ou parcialmente, um grupo humano. Mas é preciso provar que existe essa intenção, segundo a Folha.
“Graves violações não constituem, por si só, atos de genocídio; a menos que possa ser demonstrado que esses atos tenham sido cometidos com a intenção de destruir total ou parcialmente um território nacional, um grupo étnico, racial ou religioso como tal”, advertiu na sessão de 26 de janeiro a ugandesa Julia Sebutinde, juíza da Corte Internacional de Justiça.
Em seu voto, Sebutinde quis demonstrar que mesmo graves e reiteradas violações —como a morte de civis, incluindo mulheres e crianças, e a destruição de cidades— podem constituir crimes de guerra passíveis de condenação nos tribunais nacionais e internacionais, sem que sejam necessariamente tipificados como genocídio.
Uma das formas de demonstrar intencionalidade é verificar os discursos das autoridades políticas e militares israelenses. De acordo com Paola Gaeta, especialista em sistema penal internacional no Instituto de Estudos Internacionais de Genebra, há declarações israelenses que “podem constituir um discurso genocida”; e o artigo 3º da Convenção de 1951 prevê condenação por “incitamento, direto e público ao genocídio”, não apenas pelo ato em si.
Em 7 de outubro, por exemplo, o parlamentar israelense Nissim Vaturi, do mesmo partido do premiê Binyamin Netanyahu, o Likud, disse que era preciso “apagar Gaza da face da Terra”. Será preciso demonstrar que discursos como esse têm reflexos nas ações concretas das tropas e se há uma diretriz clara por parte do governo israelense de eliminar os palestinos de Gaza. Israel diz que gente como Vaturi não tem esse poder.