PF apura se deputado tinha acesso a relatórios com dados de inteligência e a inquéritos policiais.
O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) recebeu no ano passado informações sobre operações no Rio de Janeiro realizadas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que o parlamentar comandou durante boa parte do governo de Jair Bolsonaro, entre julho de 2019 e março de 2022.
As informações foram repassadas à Ramagem pelo oficial de inteligência Victor Felismino Carneiro, que sucedeu o deputado federal no comando da Abin de abril de 2022 até dezembro de 2023. Ao jornal O GLOBO, Carneiro confirmou ter entregue ao parlamentar uma lista de operações que a Abin realizou no Rio de Janeiro e uma relação de custo aproximado de cada ação.
— Entrei em contato e passei informações referentes à operação no Rio, mas não era documento oficial — disse Carneiro.
Procurado, Ramagem não se manifestou.
No fim do ano passado, quando Ramagem recebeu informações de Carneiro, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional e a Abin passaram a levantar dados sobre a utilização de recursos da agência durante o governo Bolsonaro para pagar informantes no Rio de Janeiro. O intuito era apurar se havia alguma irregularidade na destinação da verba, o que nunca foi comprovado.
Diante dessa apuração, Carneiro, que foi superintendente da Abin no Rio de Janeiro sob o comando de Ramagem, ligou para o deputado e passou informações sobre as operações de inteligência realizadas no estado.
— Foi um fato específico. Eu estava na linha de tiro. Por isso, procurei Ramagem — afirmou Carneiro, justificando que repassou informações a Ramagem apenas para fins de esclarecimento.
Sob investigação
Ramagem é investigado pela Polícia Federal (PF) por suspeita de receber informações da Abin mesmo após ter deixado o comando da agência. Durante as buscas realizadas no gabinete do parlamentar na Câmara, agentes encontraram informações que podem estar relacionadas com a Abin. O material está sendo analisado por peritos.
A PF apura ainda se Ramagem se valia do acesso a informações sigilosas para beneficiar membros da família Bolsonaro. Um indício encontrado pelos investigadores foi uma mensagem enviada por uma assessora do vereador Carlos Bolsonaro (Rep-RJ) pedindo ao deputado dados de um inquérito da Polícia Federal “envolvendo PR e 3 filhos”, em possível referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos — Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro.
“A solicitação de realização de ‘ajuda’ relacionada a Inquérito Policial Federal em andamento em unidades sensíveis da Polícia Federal indica que o Núcleo Político possivelmente se valia do Del. Alexandre Ramagem para obtenção de informações sigilosas e/ou ações ainda não totalmente esclarecidas”, diz a PF.
Abin paralela
Filho de um general da reserva, Carneiro foi capitão do Exército e, após 16 anos no quartel, abdicou da carreira militar para, em 2010, integrar a Abin e atuar em operações no Mato Grosso e na área de relações institucionais. Durante o governo Bolsonaro, teve uma ascensão meteórica — passou do Centro de Cooperação Policial Internacional para superintendente no Rio de Janeiro, reduto eleitoral do clã Bolsonaro, e assumiu a chefia do órgão. No governo Lula, ele passou a atuar na segurança orgânica da agência, atualmente sem cargo de confiança.
Carneiro entrou na mira da PF após ter o nome citado pelo general da reserva Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), durante reunião no Palácio do Planalto na qual Bolsonaro pediu a ministros para intensificar os ataques ao sistema eleitoral do país, diz o G.
Na ocasião, Heleno disse a Bolsonaro que havia conversado com Carneiro para infiltrar agentes da Abin nas campanhas eleitorais, mas via risco de eles serem descobertos. O general da reserva, porém, foi interrompido pelo então presidente, que pediu para conversar sobre o assunto “em particular”. A declaração foi registrada em vídeo em 5 de julho de 2022 e descoberta pela PF durante uma operação de busca e apreensão na casa de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Carneiro, que não foi alvo da operação, admite ter falado com Heleno sobre o tema, mas diz que dará explicações sobre o caso diretamente à Polícia Federal. Na última sexta-feira, o ex-chefe da Abin prestou depoimento no inquérito que investiga o uso do programa espião FirstMile pela agência de inteligência no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro para monitorar a localização de celulares em todo o país.
Procurado, o advogado Bernardo Fenelon, que defende Carneiro, disse que “as manifestações defensivas, por respeito às autoridades, serão feitas apenas nos autos processuais”.