Durante a gestão do PT, os presidentes Lula e Dilma efetivaram uma política de valorização do salário mínimo, que aumentava acima da inflação conforme o desempenho do produto interno bruto (PIB). Um novo estudo, no entanto, aponta que esses ganhos foram absorvidos pelo 1%, a elite financeira do país, por meio das altas taxas de juros do Brasil.
Nesse novo levantamento, publicado pelo Cambridge Journal of Economics, o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que os “ganhos salariais reais dos trabalhadores brasileiros entre 2000 e 2019 foram redirecionados aos rentistas via juros pagos pelas famílias endividadas”.
Os dados, publicados em dois artigos pelos economistas Pedro Romero Marques e Fernando Rugitsky,
apontam que a “expansão do consumo” e a “ampliação do crédito” causaram um processo de “expropriação financeira”, ou seja, de “transferência dos ganhos salariais para o setor rentista por meio do crescimento da dívida das famílias”.
Brasil: preso no extrativismo colonial
Para o economista Pedro Faria, esse dado demonstra o caráter colonial da economia brasileira.
“A questão é que o Brasil sempre foi uma economia colonial, e uma economia colonial extrativista é, em geral, caracterizada por um grau de rentismo muito alto.”
“Isso se mantém até o dia de hoje”, afirmou em declarações à Sputnik Brasil. “Óbvio que nós não somos mais nenhuma colônia, nem algum império escravagista, mas as estruturas estão ali.”
O termo rentismo, explica Faria, deriva do inglês “rent” ou aluguel, mas na economia é usado de forma um pouco diferente. “É uma renda que algum agente obtém simplesmente por possuir algum ativo.”
“O rentista normalmente é o lado financeiro da economia”, explica. É aquela pessoa que possui um papel e, por possuir esse papel, recebe rendas, sejam investimentos especulativos em ações ou dívidas do governo. “Nós estamos falando de pessoas que absorvem o excedente que a economia produz para si simplesmente por possuir esse ativo financeiro.”
Esse gênero de produção de riqueza, afirma, é prejudicial para um país, uma vez que “todo o esforço produtivo, tanto de trabalhadores quanto dos capitalistas do setor produtivo, acaba indo para esse grupo de pessoas que detêm papéis”. Isso gera dificuldade em estabelecer uma economia dinâmica.
“Acaba tendo uma circulação de riqueza muito grande na esfera estritamente financeira, especulativa. Isso acaba tirando a capacidade de crescimento da economia.”
No caso brasileiro, aponta o economista, a base industrial não é tão forte como em outros países. A nossa economia é “composta por um setor extrativo, que é a agricultura, a pecuária, a extração mineral, os minérios, o petróleo, e um setor financeiro, que opera o financiamento desse outro setor”.
Nessa situação de desindustrialização, os empregos gerados não envolvem o uso de tecnologias e capital inovador; pelo contrário, “o que acabamos tendo é um setor de serviços hipertrofiado e com empregos ruins no geral”. “Não são serviços tecnológicos, são serviços da economia do cuidado, são serviços de luxo. Não é um serviço de manutenção de itens de alta tecnologia.”
Esse cenário é marcado pelas altas taxas de juros aplicadas no Brasil. A taxa de juros do cartão de crédito ou o financiamento de um imóvel são exemplos disso, segundo Faria. Enquanto o primeiro ultrapassava os 400% até o ano passado, o segundo “é feito a juros muito altos se comparado a outros países similares”.
“São os capitalistas rentistas, proprietários desse capital financeiro, absorvendo [renda] por meio dessas taxas de juros abusivos.”
Essa é a situação descrita pelo estudo do Made, afirma Faria, de perdas “dentro dos ganhos que a classe trabalhadora estava experimentando”, causadas justamente “pelas taxas de juros abusivas que o sistema financeiro brasileiro pratica”.
Outra característica desse cenário é a pressão constante feita pelo setor financeiro “de que o governo tenha superávits”, como forma de que o Estado redirecione gastos que teria com o social “para o pagamento de juros da dívida pública”.
Essa é a característica de uma economia que foi um dia uma economia colonial, de acordo com o economista, e nunca passou por um processo de “ruptura” como a China e outros países capitalistas passaram, em que “você tem uma eliminação desse traço que vem lá da aristocracia antiga.”
“No período colonial, pessoas que possuíam terras aqui e sequer moravam aqui, moravam em Portugal”, lembrou o economista. “Depois, no Império, essas pessoas ficavam na corte, no Rio de Janeiro, e recebiam as rendas daquelas posses que tinham.”
A nossa elite, diz, não é “nem aquela imagem clássica do capitão de indústria do começo do século XX”.
*Sputnik