A vacinação, um pilar fundamental na proteção da saúde pública, está intrinsecamente ligada a cinco elementos-chave: confiança, conveniência, complacência, comunicação e contexto sociodemográfico, conhecidos como os “5 Cs”. No entanto, a ativista Lúcia Xavier, fundadora da ONG Criola e defensora dos direitos das mulheres negras, ressalta que o racismo pode minar cada um desses pilares, especialmente para a população negra.
Xavier destaca que a população negra enfrenta diversas barreiras no acesso à saúde, incluindo a vacinação, uma prática essencial para a prevenção de doenças. Ela aponta para a necessidade de um acolhimento econômico, que envolve acesso a informações precisas e acessíveis das pessoas em sua individualidade, para fortalecer a confiança entre o serviço de saúde e o usuário.
“A população negra passa por muitas dificuldades de acesso, aceitação, cuidado e resolutividade no campo da saúde, e a vacinação é central para isso”, afirma. “E a população negra é a que vai ser a primeira a ser afetada pela queda das coberturas vacinais. Não só porque já vive em más condições de saúde, de vida, mas também porque vai estar mais vulnerável a agravos que podem ser controlados ou impedidos a partir da vacinação.”
O racismo, conforme planejado por Xavier, muitas vezes não se manifesta de maneira explícita, mas sim de forma sutil e discriminatória. Essas formas veladas de racismo contra o afastamento da população negra de serviços que poderiam salvar vidas. A falta de preparação dos profissionais de saúde para atender às diferenças sociais e culturais é uma barreira adicional que dificulta o acesso equitativo à vacinação.
“O racismo pode não estar presente em ‘não entra aqui porque você é negro’, mas ele vai estar presente no modo que se recebe a população, na maneira de questionar o seu agravo, na maneira de oferecer ajuda e na maneira de oferecer informação. Então, receberemos menos informação, teremos menos cuidado em relação a nós, e as possibilidades de solução do nosso problema serão postergadas e deixadas para lá”, diz. “Esses maus-tratos vão minando a relação de confiança entre o serviço e o usuário. A pessoa posterga, vai desacreditando que aquele serviço vai dar bom efeito, e nada é bem esclarecido o suficiente para ela compreender”, completa Lúcia Xavier.
Evelyn Plácido, enfermeira e educadora, ressalta a importância de abordar a competência cultural dos profissionais de saúde, especialmente em regiões de difícil acesso. “Escutei muitos relatos de indígenas que falavam que procuraram a sala de vacina, mas não foram vacinados porque os profissionais falavam que eles só poderiam tomar vacina na aldeia”, conta ela. “Isso é perder a oportunidade, é negar algo a que eles têm direito. O direito deles é serem vacinados dentro de qualquer unidade de saúde, e, inclusive, nos esquemas específicos previstos para eles.”
Ela relata experiências em que a falta de sensibilidade e conhecimento cultural impede a correta contabilização da vacinação em populações vulneráveis, como indígenas e quilombolas.
“Nós temos que trabalhar a competência cultural desses profissionais. Isso é urgente dentro das universidades, porque, trabalhando a competência cultural, eu vou preparar esse profissional para atuar para além das suas questões culturais. Cada indivíduo tem as suas, só que, quando eu me disponho a ser um profissional de saúde, eu vou atender a um público e tenho que estar preparado para atender a todas as pessoas com seus contextos culturais de sociedade”, explica. “Se eu não estiver preparada para isso, eu não consigo acessar e não consigo criar vínculo. E vínculo é confiança. Quando a gente fala de vacina, eu preciso criar esse vínculo. Eu preciso criar essa confiança em todos os públicos.”
A mobilização das comunidades é vista como um elemento-chave para garantir o acesso à vacinação, especialmente em contextos desafiadores. Plácido destacou que essa mobilização foi a base para a criação de programas nacionais de imunizações e sistemas de saúde acessíveis, como o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.
Diante dos desafios pelo racismo estrutural, é crucial abordar e combater a desigualdade no acesso à saúde, garantindo que a vacinação e outros serviços de saúde sejam verdadeiramente disponíveis para todos, independentemente de raça, etnia ou contexto sociodemográfico.
*Com Agência Brasil