Só há uma figura da extrema direita com alguma relevância política fora de combate até agora, mesmo que continue circulando pelo pátio como um frango sem cabeça.
É Deltan Dallagnol, que não pertencia à estrutura golpista de Brasília, mas fazia parte, muito antes da ascensão do bolsonarismo, da força inspiradora que ajudou a construir o fundamentalismo político a partir da Lava-Jato.
É duro, mas é a realidade. Dallagnol é o único arriado totalmente até agora. O resto, considerando-se os outros abatidos em combate, pode ter tido participação na estruturação e funcionamento do fascismo, mas como ajudante de segunda linha.
Não vamos nos iludir com Anderson Torres e Mauro Cid, que podem levar aos chefes, mas eram meros instrumentadores.
Me alcança a minuta, chama o Braga Netto, instiga os comandantes militares, manda assoprarem o apito de cachorro, desativa a PM de Brasília e me encontra na Disney, falsifica o atestado da vacina e vende as joias.
Tudo mandalete. Não tinham voto. Tinham lastros políticos concedidos, e não conquistados. Eram serviçais.
Dallagnol, sem relação com esse núcleo, era mais relevante politicamente no projeto da extrema direita do que esses dois. Os dois tinham funções táticas na hora do golpe, trabalhando por empreitada nos limites do que poderiam fazer.
Dallagnol tinha missão estratégica na direita e dispunha de um bem que os militares mais invejavam em Bolsonaro: tinha voto. O ex-procurador elegeu-se deputado federal com o apoio de 342.185 eleitores. É muita gente.
É fácil entender por que ele não é um Cid ou um Torres. Foi quem ajudou Moro a dar forma ao lavajatismo, afrontou hierarquias do sistema de Justiça, obteve apoio da elite empresarial e da imprensa e depois saltou fora do MP, ganhou um mandato e iria caminhar na direção de algo mais grandioso.
Dallagnol pensava no Everest, algo inalcançável para Torres e Cid, figuras do cerrado. Os ajudantes eram operadores de esquemas miúdos. Os dois eram substituíveis.
Dallagnol carregava sonhos graúdos, projetos dele, da direita e da extrema direita religiosa, e com plano de poder compartilhado com Moro. Mas está fora de combate, apesar de espernear.
O ex-juiz que aderiu ao sistema que dizia repelir também será sacrificado por inépcia política, pela capacidade de atrair mais inimigos do que parceiros e por ter cumprido sua missão justiceira. Hoje, vale tanto quanto um Marcos do Val.
O sistema atraiu e inutilizou a dupla de Curitiba. Mas até agora só Dallagnol está morto politicamente. E não há mais ninguém com alguma relevância fora do jogo. Nem Bolsonaro morreu.
Torres, Cid, os oficiais PMs de Brasília que acabaram presos, os manés, os patriotas e os terroristas – nenhum deles vale muito para os próprios parceiros e para quem aguarda reparações.
Hoje, são informantes decisivos para a compreensão do golpe. Mas foram coadjuvantes e figurantes sem peso político, sem votos, sem tropas, sem nada que possa lhes assegurar qualquer tipo de sobrevivência.
Se a história do golpe fosse encerrada agora e tudo o que aconteceu até então virasse uma série da Netflix, teríamos só gente dos times de baixo entre os perdedores sem volta.
E não faltam apenas os líderes fardados, mesmo que essa seja, compreensivelmente, a pauta do momento. Faltam líderes civis, inclusive políticos com votos.
Moisés Mendes/DCM