Com ou sem depoimento, investigadores já têm provas de desvio e venda ilegal de joias.
Diz um provérbio árabe que a palavra é prata e o silêncio é ouro. No caso da família Bolsonaro, cabe a pergunta: ouro amarelo, branco ou rosé?
O ex-presidente e a ex-primeira-dama se calaram ontem diante de delegados da Polícia Federal. Os dois haviam sido intimados a depor sobre o escândalo das joias sauditas.
A PF apura o desvio de presentes recebidos em viagens oficiais. Entre os mimos, um Rolex em ouro branco cravejado de diamantes e um kit com anel, relógio e abotoaduras em ouro rosé.
Os bens deveriam ser incorporados ao patrimônio da União, mas foram afanados e vendidos como muamba. Agora a polícia quer saber quem se envolveu no contrabando.
Em março, Jair tentou brigar com os fatos e disse que “ninguém vendeu nada”. A versão desmoronou quando a PF identificou as transações do tenente-coronel Mauro Cid.
Na semana passada, Michelle abandonou as negativas e recorreu ao deboche. “Falaram tanto de joias, que em breve teremos um lançamento: Mijoias para vocês”, ironizou a ex-primeira-dama.
A defesa disse que o casal ficou em silêncio ontem por entender que o caso deveria correr na primeira instância, não no Supremo. A desculpa é pueril. Cabe à Justiça, não aos investigados, definir a competência para julgá-los.
A lei assegura o direito ao silêncio para não produzir provas contra si mesmo. Mas quem se diz injustiçado não deveria calar quando tem a chance de mostrar sua inocência.
Os Bolsonaro não adotaram a estratégia à toa. A PF marcou oito interrogatórios simultâneos. Se falassem, Jair e Michelle poderiam cair em contradição com outros investigados. Para azar do casal, nem todos aderiram ao combinado.
A mudança de atitude de Cid, que passou a negociar uma confissão, é a maior ameaça que o capitão já enfrentou. O tenente-coronel era a sombra do chefe. Sabe tudo o que se tramou no governo passado, da rapinagem às tratativas de golpe.
Com ou sem depoimentos, os investigadores consideram já ter provas dos crimes de peculato, sonegação e lavagem de dinheiro. Resta a Bolsonaro lutar no front político, onde ele ainda conta com uma claque fiel. Mas não é fácil ampliar a voz de quem escolhe ficar de bico fechado.
*Bernardo Mello Franco/O Globo