Milhares de manifestantes se uniram em protestos realizados em várias cidades do Brasil na última quinta-feira (24) para condenar as operações policiais que resultaram em várias mortes nas últimas semanas. As entidades do movimento negro convocaram os atos, que ocorreram em mais de 30 cidades e em ao menos 25 estados, com o objetivo de chamar a atenção para a escalada da violência policial e exigir justiça para as vítimas negras.
A manifestação foi convocada por duas frentes de entidades: a Coalizão Negra por Direitos e a Convergência Negra, que aglutinam grupos como Uneafro Brasil, Movimento Negro Unificado (MNU), Coletivo de Entidades Negras (CONEN), Unegro, e Geledés.
O ato em Brasília começou no Museu Nacional da República seguindo pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde os manifestantes ocuparam duas faixas da pista. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, os protestos se concentraram em locais simbólicos, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e áreas centrais do Rio de Janeiro.
Um dos pontos de destaque das manifestações foi uma homenagem ao abolicionista Luiz Gama, cuja morte completa 141 anos neste dado. No entanto, o foco principal foi a denúncia da violência policial, especialmente contra a população negra. Ao Portal Vermelho, o presidente da União de Negros e Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França, enfatizou a urgência de medidas para enfrentar a violência e promover mudanças estruturais.
França ressaltou que o movimento negro está mobilizado contra a violência indiscriminada que assola comunidades negras. Ele destacou o brutal assassinato da líder quilombola Mãe Bernadete, que foi morta em sua casa, possivelmente devido à disputa por território quilombola não regularizado. “A principal motivação para definirmos nossa ida às ruas é a violência. O estopim da mobilização foram três ações profundamente selvagens: execuções policiais no Guarujá e em Salvador e os projéteis que ceifaram vidas infantis no Rio de Janeiro. A esses três fatos, se somou o assassinato da líder quilombola e Yalorixá, Mãe Bernadete”.
Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernadete, foi brutalmente assassinada na noite da última quinta-feira (17), dentro de casa e diante dos netos. Ela também era integrante da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e ex-secretária de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho. O caso está em investigação e pode ter relação com a disputa pelo território quilombola, até hoje não regularizado, onde vivia a ativista.
Além disso, o presidente da Unegro enfatizou os casos de jovens negros mortos pela polícia, como Gustavo Henrique Soares Gomes, um adolescente morto a tiros em uma blitz policial em Samambaia, periferia de Brasília, e Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto em uma operação policial na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Segundo ele, “a Unegro, assim como o movimento negro de um modo geral, tem uma visão extremamente crítica quanto à atuação das polícias nas periferias, nas comunidades e na abordagem à população negra – e especialmente jovem. A abordagem violadora de direitos humanos e civil, a abordagem criminosa, a abordagem violenta. Então esse é um tema muito caro para nós do movimento negro. A polícia é praticamente a única parte do Estado que chega em algumas comunidades. E ela chega com truculência, sem respeito e sem observância à lei. É uma polícia que não cumpre a lei quando é com o pobre, quando é com o preto”, disse Edson.
Chega de chacina!
Os manifestantes denunciaram uma quantidade alarmante de mortes de pessoas negras no Brasil, conforme apontado pelos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública relatou que, em 2022, 76,5% das vítimas de mortes violentas intencionais eram negras. Além disso, a violência policial contra crianças e adolescentes também foi abordada, com estatísticas alarmantes relatadas de que 2.215 jovens negros foram mortos pelas forças de segurança entre 2017 e 2019.
Sobre isso, Edson enfatiza: “nós temos um histórico de luta e de questionamento da violência policial. Para você ter noção, em 1988, um dos temas que fez com que é a Unegro surgisse foi a violência policial e ainda hoje nós vivemos diante desse desafio”, disse.
O presidente da Unegro lembra que “a mesma coisa aconteceu com o Movimento Nego Unificado, que nasceu dez anos antes da Unegro, em 1978, nas escadarias da do Teatro Municipal em São Paulo. O mesmo fenômeno: violência policial contra o feirante Robson Silveira da Luz um jovem trabalhador morto sob a custódia da polícia. Então, nós temos uma visão bastante crítica, denunciamos cotidianamente a violência das polícias e consideramos que a sociedade divide a responsabilidade dessas mortes porque apoia policial. Hoje em dia um policial consegue voto na medida em que ele mata. Não é só promoção que consegue”, argumenta.
A demanda por mudanças na abordagem policial é uma das principais pautas do movimento negro. As entidades pedem a aprovação de uma lei federal que obrigue o uso de câmeras nos uniformes dos agentes da polícia em todo o país. Em estados onde essa medida já foi imposta, como São Paulo, os números de mortes em confrontos com a polícia tiveram queda significativa. Além disso, as entidades também clamam pela federalização de casos que envolvam massacres e chacinas em comunidades.
Outra reivindicação fundamental é uma revisão na política de drogas, com foco na redução de danos e na descriminalização do uso individual. A representatividade dos negros no sistema carcerário também é motivo de preocupação, com números alarmantes que indicam a necessidade de uma mudança de abordagem.
No entanto, França ressalta que o movimento negro não busca apenas mudanças de políticas públicas, mas também um diálogo mais amplo e profundo com a sociedade. Ele enfatizou que “o diálogo é uma ferramenta do antirracismo” e que exige o engajamento de todos para construir uma sociedade mais justa e igualitária. “A sociedade civil precisa abrir um debate sobre que tipo de sociedade nós queremos construir. Então nós temos uma profunda sistemática, radical e crítica à conduta da polícia nas comunidades e junto aos pobres”, disse.
“O antirracismo precisa muito do diálogo mais ‘pé de orelha’. É um processo pedagógico importante. Por isso, nós valorizamos muito todos os meios que a gente pode lançar mão para ampliar. Isso tem ajudado e fortalecido o movimento negro que hoje é um movimento social forte e poderoso. Hoje nós pautamos o tema da violência. Não foi a mídia, não foi a imprensa, não foi uma denúncia do fulano, do beltrano contra algum político corrupto. Foi o movimento negro que tomou as ruas e pautou dialogando com o presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, com a presidenta do STF, com ministros do STF, com ministro do Lula, Flávio Dino, com o ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha e vamos continuar com o processo de diálogo com as autoridades, porque que as autoridades precisam sair da zona de conforto”, continuou.
Em meio às manifestações de repúdio à violência policial e de estado em todo o país, Edson também destaca que a falta de controle sobre as ações policiais transcende as orientações políticas. França ressalta que tanto governos de esquerda quanto de direita muitas vezes adotam a mesma conduta em relação à violência policial, o que levanta preocupações sobre como governos progressistas lidam com esse tema. “O Congresso Nacional precisa dar resposta a violência das polícias, que estão praticamente sem controle, governo de esquerda, governo de direita, elas têm a mesma conduta, absoluta mesma conduta”, disse.
O líder do movimento negro aponta para a triste constatação de que a violência policial persiste independentemente da orientação política, levantando questionamentos sobre a efetividade das medidas adotadas até o momento. Em relação a isso, França destaca: “Ceifar corpos negros é uma expressão mais odienta do racismo”. Para ele, o debate é fundamental para promover uma mudança real na relação entre as forças de segurança e as comunidades afetadas.
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