Bolsonaro já escapou de quatro processos que foram para a primeira instância depois de deixar o governo. Todos mandados para a gaveta com um empurrão só, por dois juízes, quase ao mesmo tempo.
É como se a Justiça atuasse no atacado para não perder tempo e não criar muitas expectativas sobre eventuais condenações e reparações.
Um juiz arquivou, por prescrição recomendada pelo Ministério Público, a ação que tratava da agressão à deputada Maria do Rosário como incitação ao estupro.
Outro juiz arquivou outras três ações. Uma é sobre a fala de Bolsonaro num 7 de setembro em que ele chamou Alexandre de Moraes de canalha.
A outra ação é de um caso famoso em que o sujeito disse em palestra a uma plateia de judeus que um negro de uma comunidade quilombola, que ele considerava preguiçoso, deveria ter seu peso medido em arrobas.
E na última ação arquivada Bolsonaro era acusado de omissão em relação ao pedido de extradição do foragido Allan dos Santos, protegido pelo governo americano.
O arquivamento do primeiro caso provocou maior frustração. Por que ninguém do meio dito jurídico alertou para o fato de que a ação pela agressão a Maria de Rosário seria sepultada por prescrição, não só pelo que manda a lei, mas também por falhas no próprio sistema de Justiça, tão logo Bolsonaro deixasse o governo?
Ainda resistem as investigações sobre as joias das Arábias, o conluio com Marcos do Val para grampear Alexandre de Moraes, a fraude do cartão da vacina e tudo o que cabe no que se chama de gabinete do ódio, além de mais 15 ações no TSE.
É só uma amostra do que ainda está em tramitação, a maior parte no estágio da investigação, como o inquérito que apura a responsabilidade de Bolsonaro na matança de yanomamis.
Ainda como governante, Bolsonaro manifestou várias vezes o temor de ser condenado ou preso preventivamente, e por isso disse, naquela reunião ministerial da boiada, de abril de 2020, que “eles querem é a nossa hemorroida”.
Até ali, não havia quase nada do que se formou depois como conjunto de provas da trama do golpe, do roubo das joias, da fraude com o cartão de vacina, dos desvios do cartão corporativo, da compra de 50 imóveis com dinheiro vivo, da formação das quadrilhas de vampiros das vacinas, dos crimes da pandemia.
Em abril de 2020, Bolsonaro já considerava a hipótese de vir ser cercado pelos desmandos dele e da família, tanto que cobrou na reunião, na frente de todo mundo, proteção da Polícia Federal e dos arapongas sob o comando do seu então ministro da Justiça Sergio Moro.
Só o TSE deu sentido até agora à frase sobre as hemorroidas. Na área criminal, permanecem as mesmas dúvidas sobre a possibilidade de condenação em dúzias de casos em andamento.
Bolsonaro é um inelegível por delitos julgados pela Justiça Eleitoral, mas ainda não é um criminoso reconhecido como tal pela Justiça comum. Virá a ser?
Quantas outras ações serão arquivadas com o argumento de que os crimes alegados não existem, porque Bolsonaro não teve a intenção de matar ninguém na pandemia e não sabia de nada do que acontecia no governo?
Depende de onde caíram ou cairão as ações que passam a tramitar fora do Supremo e do alcance de Alexandre de Moraes.
Quando ainda era presidente, ele teve a trincheira da procuradoria-Geral da República. Mais de cem pedidos de investigação contra o sujeito, encaminhados pelo STF à PGR, foram engavetados por Augusto Aras.
A gaveta agora é a da instância que, dependendo dos humores do promotor e do juiz, pode deliberar que Bolsonaro continue livre, com as hemorroidas intactas e mais de R$ 17 milhões no banco.