O “Comunicado da Cúpula de Vilnius”, que pode ser lido na íntegra, em inglês, francês ou russo, neste link, é um documento sinistro. A Cúpula da OTAN terminou seus trabalhos nesta quarta-feira (12) mas o documento foi aprovado pelos países membros já na terça-feira (11). Para além do tema Rússia x Ucrânia, que domina parte importante do texto, cada um dos 90 itens do documento vem impregnado, marcado, carregado, por uma tal visão de domínio mundial sustentado pela força que chega a ser surpreendente que não cause a repulsa geral da humanidade. As cínicas proclamações de compromisso com a carta das Nações Unidas e com um “mundo baseado em regras” são desmentidas claramente por todo o texto em seu conjunto. Destacamos alguns pontos, deixando de lado as questões relativas à guerra por procuração que a OTAN promove na Ucrânia contra a Rússia, que já foram analisadas anteriormente nas Súmulas dos dias 11/7 e 12/7. Em negrito, comentários introdutórios ou observações, e entre aspas, em itálico, trechos do documento em tradução livre. O planeta todo é território de atuação da OTAN – “As ameaças que enfrentamos são globais e interconectadas” (trecho do item 5), ideia que é desenvolvida no item 6 – “Competição estratégica, instabilidade generalizada e choques recorrentes definem nosso ambiente de segurança mais amplo. Conflito, fragilidade e instabilidade na África e no Oriente Médio afetam diretamente nossa segurança e a segurança de nossos parceiros”. Já no item 6 aparece a “ameaça chinesa” que depois é retomada com mais detalhes. Mas o que importa é que em qualquer lugar do mundo, qualquer assunto, mesmo os que dizem respeito à soberania de cada país, está sob a alçada da onipresente OTAN, preocupada, segundo o documento com o “terrorismo” (em alguns casos a preocupação é a de que os terroristas cumpram as ordens direitinho, pois é a OTAN quem os treina e financia) e com rivais estratégicos – “A vizinhança meridional da OTAN, em particular as regiões do Oriente Médio, Norte da África e Sahel, enfrenta desafios de segurança, demográficos, econômicos e políticos interligados. Estes são agravados pelo impacto das mudanças climáticas, instituições frágeis, emergências de saúde e insegurança alimentar. Esta situação oferece um terreno fértil para a proliferação de grupos armados não estatais, incluindo organizações terroristas. Também permite a interferência desestabilizadora e coercitiva de concorrentes estratégicos” (trecho do item 22).
Comunicado final da Cúpula da OTAN é uma ameaça direta à humanidade – II
A República Popular da China (RPC) é atacada duramente nos itens 23 e 24. Mesmo com um parágrafo proclamando que a OTAN está aberta ao diálogo, o texto não deixa dúvidas: a RPC é a grande ameaça estratégica e será, inevitavelmente, o próximo alvo. É interessante a construção argumentativa usada contra a China. Lista-se práticas de dominação largamente utilizadas desde há muito tempo pelos EUA e simplesmente as atribuí à China. Não à toa, em recente périplo pela América Latina, visitando países que foram vítimas de ditaduras militares implantadas com incentivo e ajuda dos EUA, que sempre tratou a região como “seu quintal dos fundos”, um funcionário do Departamento de Estado americano advertiu contra o “imperialismo chinês” – “As ambições declaradas e as políticas coercitivas da República Popular da China desafiam nossos interesses, segurança e valores. A RPC emprega uma ampla gama de ferramentas políticas, econômicas e militares para aumentar sua presença global e projetar seu poder, enquanto permanece opaca sobre sua estratégia, intenções e reforço militar. As operações híbridas e cibernéticas maliciosas da RPC e sua retórica de confronto e desinformação visam os Aliados e prejudicam a segurança da Aliança. A RPC procura controlar os principais setores tecnológicos e industriais, infraestrutura crítica e materiais estratégicos e cadeias de suprimentos. Ela usa sua influência econômica para criar dependências estratégicas e aumentar sua influência. Ela se esforça para subverter a ordem internacional baseada em regras, inclusive nos domínios espacial, cibernético e marítimo. Permanecemos abertos a um envolvimento construtivo com a RPC, inclusive para construir transparência recíproca, com vistas a salvaguardar os interesses de segurança da Aliança. Estamos trabalhando juntos com responsabilidade, como Aliados, para enfrentar os desafios sistêmicos colocados pela RPC à segurança euro-atlântica e garantir a capacidade duradoura da OTAN de garantir a defesa e a segurança dos Aliados. Estamos aumentando nossa conscientização compartilhada, aprimorando nossa resiliência e preparação e protegendo contra as táticas coercitivas e os esforços da RPC para dividir a Aliança. Defenderemos nossos valores compartilhados e a ordem internacional baseada em regras, incluindo a liberdade de navegação”. A OTAN considera a emergência do mundo multipolar uma ameaça a sua segurança – “nossas nações estão enfrentando ameaças e desafios de segurança mais profundas do que em qualquer outro momento desde o fim da Guerra Fria” (trecho do item 26). Isso exigirá mais investimento em armas. A OTAN cobra dos países membros que destinem pelo menos 2% do PIB para a guerra, mas até isso já está insuficiente – “Afirmamos que, em muitos casos, serão necessárias despesas superiores a 2% do PIB para remediar as deficiências existentes e cumprir os requisitos em todos os domínios decorrentes de uma ordem de segurança mais contestada” (trecho do item 27).
Comunicado final da Cúpula da OTAN é uma ameaça direta à humanidade – III
Cercar a Rússia e a China são prioridades, diz o 4º parágrafo do item 34, que trata dos acordos entre os membros do bloco – “Reafirmamos nossas decisões na Cúpula de Madri de colocar forças adicionais robustas prontas para o combate no flanco oriental da OTAN, a serem ampliadas dos grupos de batalha existentes para unidades do tamanho de brigadas onde e quando necessário, sustentadas por reforços credíveis e rapidamente disponíveis, equipamento preposicionado e comando e controle aprimorados. Os oito grupos de batalha multinacionais estão agora no lugar. Continuaremos nossos esforços para implementar essas decisões, inclusive demonstrando a capacidade de aumentar nossa presença militar por meio de robustos exercícios ao vivo no flanco oriental da Aliança. Congratulamo-nos com os esforços contínuos dos Aliados para aumentar a sua presença no flanco oriental da OTAN, o que fortalece ainda mais a dissuasão e defesa credíveis”. O documento diz que o bloco continuará a “modernizar a capacidade nuclear da OTAN e atualizar o planejamento para aumentar a flexibilidade e adaptabilidade das forças nucleares da Aliança” (trecho do item 45). No item 55, de novo a China é citada como grande ameaça, por fazer basicamente o que no item 45 a OTAN anunciou que fará – “A RPC está expandindo e diversificando rapidamente seu arsenal nuclear com mais ogivas e um número maior de sistemas de lançamento sofisticados para estabelecer uma tríade nuclear, ao mesmo tempo em que falha em se envolver em transparência significativa ou esforços de boa-fé para alcançar o controle de armas nucleares ou redução de risco”. É anunciada a criação do Fundo de Inovação da OTAN, que desenvolverá novas tecnologias, incluindo Inteligência Artificial, a serviço da guerra – “Tecnologias emergentes e disruptivas (EDTs) trazem oportunidades e riscos. Elas estão alterando o caráter do conflito, adquirindo maior importância estratégica e tornando-se arenas-chave da competição global. A importância operacional das EDTs, bem como do acesso e adaptação de tecnologias comerciais nas operações atuais, foi destacada no contexto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia (…) Para desenvolver ainda mais nosso ecossistema transatlântico de inovação, o Fundo de Inovação da OTAN, o primeiro fundo de capital de risco multissoberano do mundo, começará a investir em tecnologia profunda nos próximos meses. Complementando as estratégias recentemente acordadas sobre Inteligência Artificial e Autonomia, a OTAN desenvolverá novas estratégias para as principais tecnologias emergentes e disruptivas” (trecho do item 63).
Comunicado final da Cúpula da OTAN é uma ameaça direta à humanidade – IV
O espaço é igualmente um campo de atuação atlantista – “O espaço desempenha um papel crítico para a segurança e prosperidade de nossas nações. O espaço também é um domínio cada vez mais contestado, marcado por comportamento irresponsável, atividades maliciosas e o crescimento das capacidades dos potenciais adversários e concorrentes estratégicos da OTAN (…) Como parte de nosso trabalho no espaço como um domínio operacional, estamos acelerando a integração do espaço no planejamento, exercício e execução de operações conjuntas de multidomínio em tempo de paz, crise e conflito” (trecho do item 67). Trechos dos itens 68 e 69 devem chamar a atenção do Brasil e de outros países ricos em energia renovável e biodiversidade. Garantir o acesso sustentável a fontes de energia e enfrentar os desafios das mudanças climáticas são incluídas entre as tarefas da OTAN, o que, em tese, justificaria uma invasão para, por exemplo, salvar as florestas “ameaçadas” em nome da proteção do que eles, em outro trecho do documento, chamam de “bens comuns globais” (destaquei, sublinhando, algumas das partes seguintes) – “A segurança energética desempenha um papel importante na nossa segurança comum. A crise energética intencionalmente exacerbada pela Rússia destacou a importância de um fornecimento de energia estável e confiável e da diversificação de rotas, fornecedores e fontes (…) Estamos empenhados em garantir o abastecimento de energia seguro, resiliente e sustentável para nossas forças militares. A mudança climática é um desafio definidor com um profundo impacto na segurança dos Aliados (…) Continua sendo um multiplicador de ameaças. A OTAN está empenhada em tornar-se a principal organização internacional no que diz respeito à compreensão e adaptação ao impacto das alterações climáticas na segurança. Continuaremos a abordar o impacto das mudanças climáticas na defesa e segurança, inclusive por meio do desenvolvimento de ferramentas inovadoras de análise estratégica. Iremos integrar as considerações sobre as alterações climáticas em todas as tarefas principais da OTAN, adaptar a nossa infra-estrutura, capacidades militares e tecnologias garantindo resiliência a futuros ambientes operacionais”.
Impulsionar a campanha pelo Fim da OTAN!
A OTAN é, sem dúvida, uma poderosa (muito poderosa) arma a serviço do imperialismo. No entanto, a cena humilhante da recente fuga do Afeganistão das tropas da mais poderosa nação do bloco, os EUA – país que na verdade sustenta e dirige politicamente a aliança – mostra que este poder tem limites. Além disso, a unidade entre os membros da OTAN não é tão monolítica como tenta transparecer o documento. Existem contradições que esperam apenas uma oportunidade histórica para se manifestar, e a cada momento que passa esta oportunidade histórica fica mais palpável, pois afinal, a OTAN é um resíduo arcaico de um mundo que está sendo superado. O que acontecerá com a OTAN, por exemplo, no caso de uma vitória total da Rússia na Ucrânia, que se não é o cenário mais provável, está longe de ser impossível? De qualquer maneira, é mais atual do que nunca a histórica bandeira do Conselho Mundial da Paz (CMP), no Brasil representado pelo Cebrapaz, pela extinção deste criminoso aparelho de opressão e morte que é a OTAN, cuja existência é uma ameaça constante à paz mundial.
* Vermelho