Taxar super-rico na 2ª fase da reforma tributária é pedreira para esquerda

Taxar super-rico na 2ª fase da reforma tributária é pedreira para esquerda

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Super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Mesmo assim, quando lembramos que a reforma tributária não será completa se não taxar de forma séria a renda e o patrimônio do topo da pirâmide, aparecem os terríveis Guerreiros do Capital Alheio, colocando a própria dignidade em risco para defender o privilégio dos bilionários e multimilionários.

A proposta de emenda constitucional aprovada pela Câmara obriga o governo Lula a apresentar um projeto de mudança nos impostos de renda em até 180 dias da promulgação da reforma. E indica que os recursos podem ser usados para reduzir a tributação do consumo.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, nos disse, em entrevista no UOL, que essa segunda etapa é fundamental para reduzir a gritante desigualdade social. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu que enviará um projeto ao Congresso nesse sentido no segundo do semestre.

Mas, claro, enviar é uma coisa, aprovar é outra completamente diferente. Primeiro, porque isso afetará as contas particulares da maioria dos parlamentares e a de seus apoiadores. Além disso, o centrão quer ser bem pago com cargos e emendas mas para votar só aquilo com o qual já concordavam.

O Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes. Os mais endinheirados chegaram à primeira classe das mais diferentes formas. Alguns por seu próprio suor, outros herdando riquezas e oportunidades e há os que roubaram ou superexploraram o trabalho alheio.

O ideal, pra já, seria que as cabines de terceira classe contassem com a garantia de um mínimo de dignidade e as de primeira classe pagassem passagem que crescesse proporcionalmente à sua renda. Uma Reforma Tributária que trouxesse de volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas e reajustasse a tabela do Imposto de Renda (isentando a maior parte da classe média e criando alíquotas de 30 a 40% para os que ganham muito) seria um bom pontapé inicial nesse sentido.

Por isso, o país não pode se satisfazer com a simplificação dos impostos sobre o consumo.

Mais do que isso: o Congresso tem que taxar os muito ricos para reduzir o custo da folha de pagamento e os tributos sobre o consumo. Porque é a forma como os muito pobres, isentos do impostos de renda, pagam bem mais impostos que o povo bem de vida.

E aumentar as alíquotas do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações. Teve gente que celebrou que a reforma aprovada na Câmara aprovou a progressividade no imposto, mas ele continua com teto de 8%, enquanto em países civilizados chega quase a 50%.

A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

O triste é que, para muitos, nada disso importa. Preferem um não-país do que dividir oportunidades. A desigualdade social, que seria motivo de vergonha em qualquer lugar civilizado, aqui é razão de orgulho. O importante para uma parte da população, tanto a que está no topo quanto a que sonha em estar lá, não é reduzir a diferença, mas garantir que ela seja devidamente glamourizada e a ascensão social, mitificada. Assim, o indivíduo passa a não desejar justiça social coletiva, mas um lugar ao sol para si mesmo. E danem-se os outros.

E, com isso, defende que os super-ricos paguem menos imposto, repetindo coisas que ouviu dizer nas redes sociais como: eles geram empregos, eles são mais inteligentes, Deus os ungiu…

A média dos salários dos trabalhadores caiu 6,9%, em 2022, no Brasil, enquanto os ganhos de acionistas de empresas aumentaram 23,8% em relação ao ano anterior. Os dados são de análise da Oxfam e apontam um crescimento na desigualdade de renda em um país já severamente desigual.

De acordo com o levantamento, acionistas brasileiros receberam US$ 34 bilhões, quase o mesmo montante que trabalhadoras e trabalhadores do país tiveram em cortes em seus salários. Nos EUA, as empresas pagaram US$ 574 bilhões a seus acionistas, mais do que o dobro do corte feito sobre os salários reais. Em todo o mundo, os dividendos recebidos por acionistas foi recorde: US$ 1,56 trilhão, aumento de 10% em relação a 2021.

“É inaceitável que continuemos como um lugar onde aqueles que mais precisam são os que menos têm. E onde o grupo de privilegiados ganham de todas as formas, com renda ou benefícios tributários”, avalia Kátia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

A redução na desigualdade depende da melhora na renda dos trabalhadores e dos mais pobres, mas também de uma taxação socialmente justa sobre os ganhos dos super-ricos.

O governo Lula confirmou o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320 no Primeiro de Maio – em janeiro, ele já havia retomado o aumento acima da inflação, medida abandonada durante a gestão anterior. Também anunciou que a faixa de isenção do Imposto de renda passará para R$ 2.640. E aumentou o Bolsa Família, acrescentando R$ 150 por criança até seis anos à base de pagamento de R$ 600 por família.

Agora, faz-se necessário avançar sobre a renda de quem ganha muito. Exatamente por não ser fácil, parlamentares de partidos da esquerda relutaram em apoiar o fatiamento da reforma tributária.

Vale lembrar que o próprio então ministro Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defenderam a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.

Apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas arrecadaria R$ 40 bilhões nos cálculos desse grupo de entidades, maior que o orçamento do Bolsa Família. O resto viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões, incluindo a taxação progressiva de dividendos), no aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões), pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões), entre outros.

*Sakamoto/Uol

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