O mais recente corte nos preços da Petrobras se soma ao alívio em alimentos, bens industriais e no câmbio para reforçar um cenário mais favorável à inflação neste ano. Com isso, economistas de consultorias financeiras procuradas pelo jornal Valor Econômico passaram a projetar um IPCA dentro da tolerância da meta perseguida pelo Banco Central em 2023, após dois anos de estouro.
Alguns movimentos de índices surpreendem o mercado, que tenta entender que fatores favorecem uma queda de preços maior que as taxas internacionais, apesar do desemprego estar diminuindo. Mas todos concordam que o esforço do governo é evidente.
O centro da meta de inflação para este ano é de 3,25%, mas ela pode ir até 4,75%, considerada apertada por economistas menos conservadores. A projeção mediana do mercado ainda está em 5,1%, pelos dados do BC, mas um mês atrás estava em 5,8%. A projeção mínima recuou um ponto percentual no período, de 4,8% no fim de maio para 3,8% no fim de junho.
Juros altos
No Relatório de Inflação (RI) do segundo trimestre, divulgado na semana passada, o próprio BC informou que, de acordo com seus modelos, a probabilidade de a inflação ficar acima do limite superior em 2023 passou de cerca de 83% em março para 61% agora. O Governo critica as projeções pessimistas do BC, que insiste em manter uma alta taxa básica de juros, apesar do movimento claro da inflação, admitido até mesmo pelo mercado financeiro.
A última vez que a inflação encerrou o ano dentro do intervalo da meta foi em 2020, quando o IPCA fechou em 4,5%, para uma meta centrada em 4%, mas com tolerância até 5,5%. Não foi uma medida provocada pelo governo, mas pelo choque da pandemia e a queda do consumo.
Tanto que, em 2021, o alvo caiu para 3,75%, mas a inflação saltou para 10,1%, quase o dobro do teto da meta (5,25%). No ano seguinte, o IPCA desacelerou para 5,8%, mas a meta também foi reduzida, para 3,5%, com limite até 5%.
É importante registrar que a inflação tem se mantido controlada mesmo diante do crescimento da demanda, o que revela a leitura equivocada do mercado e do Banco Central sobre as motivações inflacionárias. O objetivo da política monetária é exatamente aumentar o desemprego para tentar conter uma suposta pressão de demanda sobre os preços.
Medidas governamentais
O esforço feito pelo governo Lula para sustentar o consumo em meio a uma política monetária fortemente recessiva, está surtindo efeito, como admitem setores do mercado. O consumo das famílias e do governo cresceram no primeiro trimestre do ano, respectivamente, 0,2% e 0,3% em relação ao período anterior. As medidas de manutenção do Bolsa Família, a antecipação do 13º salário dos beneficiários do INSS e os recentes programas de renegociação de dívidas dos indivíduos, subsídios para compra de carros e ampliação do valor recebido no bolsa família para cada filho adicional, estão e continuarão sustentando um crescimento do consumo.
A previsão do banco BNP Paribas para o IPCA em 2023, que chegou a ficar ao redor de 6%, está agora em 4,7% – dentro, portanto, do limite da meta.
Pesou para a nova projeção do BNP Paribas o alívio nos preços dos alimentos. Além da safra recorde no Brasil, eles têm sido beneficiados por uma normalização dos estoques de soja e outros grãos pelo mundo. Os custos de produção agrícola, sobretudo fertilizantes, também estão menos pressionados do que o esperado.
O comportamento dos preços dos bens industriais também tem melhorado acima do esperado, conforme as cadeias produtivas vão se reorganizando, após a pandemia e apesar da guerra na Europa.
Assim, a avaliação do BNP Paribas é que o alívio em alguns preços que não necessariamente integram os núcleos – itens com menor impacto primário da inflação – acabam causando choque, e influenciando a taxa devido à dimensão do movimento.
Economista do Banco Fator, também consultado pelo jornal, espera IPCA de 4,7% ao fim do ano e reconhece a chance de ir a 4,5%, com os preços dos serviços fazendo a diferença.
Curiosamente, os economistas observam que o preço de serviços cai, conforme aumenta o desemprego. Foi o que aconteceu a partir de 2016, quando esses preços caíram de 10%. Dessa vez, a taxa de desocupação está em 8,3%, tem ficado nesse patamar no período mais recente e, mesmo assim, a inflação de serviços está caindo.
A BRCG também espera 4,7% para o IPCA em 2023, mas avalia que são os preços administrados que devem fazer a diferença, referindo-se à gasolina e gás natural, mesmo que haja medidas de reoneração de tributos pelo governo federal.
A Petrobras anunciou na última sexta-feira redução dos preços nas refinarias do gás de cozinha (GLP) em 3,9% e da gasolina em 5,3%.
Movimento inesperado
Depois do anúncio, entre outros motivos, o J.P. Morgan ajustou sua projeção de IPCA em 2023 de 5,2% para 5,1%. Mais uma instituição que não esperava corte nos preços no atacado, uma vez que os preços domésticos já parecem estar abaixo do equivalente internacional. No entanto, o preço dos combustíveis fez seu papel. Essa dinâmica em preços administrados dá um viés de baixa para a atual projeção da consultoria.
A MB Associados também considera “bastante possível” que a inflação termine este ano dentro da meta, ainda que próximo do teto da banda. O preço dos alimentos só não fará sua parte se houver algum risco climático, pois o cenário conjunto de câmbio e inflação de alimentos serão importantes para trazer a inflação para baixo.
A MB ainda projeta que, mesmo que a inflação fique acima do teto da meta para este ano, trata-se de uma mudança de perspectiva muito grande em relação ao que se tinha antes. A consultoria lembra que se falava de inflação para este ano de 6% ou 6,5% e agora fala-se em 4,5% a 5%. É uma mudança muito grande e favorável em seis meses na opinião deles.
As consultorias discordam sobre os índices para 2024, que podem começar o ano perto do centro da meta ambiciosa imposta pelo BC.
* Vermelho